Neste início de século, a violência urbana e a falta de segurança são nossos principais problemas, especialmente na América Latina. Como as ações governamentais tem sido insuficientes para resolver ou ao menos minorar o problema, a saída encontrada por muitas pessoas tem sido o confinamento, na forma de condomínios fechados, tanto nas cidades onde vivemos o ano todo quanto naquelas para onde vamos no verão.
Esses condomínios fechados oferecem, obviamente, segurança, e também algum lazer e, nos casos de empreendimentos realmente grandes, educação e até locais para compras –percebe-se que ir ao shopping é o lazer de quem mora nesses lugares. Alguns condomínios possuem até transporte próprio para facilitar as excursões ao mundo exterior.
Aparentemente resolvemos o problema, pelo menos de modo parcial. Se olharmos apenas para o problema da falta de segurança e nosso horizonte se limitar ao curto prazo, poderemos afirmar que o problema está resolvido.
Mas está mesmo? A própria realidade mostra que não. Um problema imediato é a privatização da vida e a perda de privacidade nesses condomínios. Pode-se fazer o que se quiser, desde que esteja de acordo com as regras estabelecidas pelo proprietário. Tente construir a casa que quiser em uma dessas prisões de luxo chamadas condomínios fechados para ver o que acontece –as casas devem seguir um determinado estilo e os proprietários são “aconselhados” a contratarem os arquitetos indicados pelos donos do empreendimento. Todos os condomínios têm seu próprio plano diretor, e regulamentos que limitam e normatizam a vida dos condôminos. Em suma, nos livramos da insegurança e perdemos ao mesmo tempo a liberdade.
A médio prazo e pensando na qualidade da vida como um todo, estamos apenas criando um problema muito maior, porque a prática dos condomínios fechados, sejam eles habitacionais ou comerciais –e aqui podemos incluir os shopping centers e os centros de escritórios— está matando as cidades.
Com a nossa fuga da cidade –os condomínios nunca são construídos em áreas centrais-- estamos dissolvendo o tecido da cidade, reduzindo a multifuncionalidade que sempre lhe foi característica, aumentando a nossa dependência do automóvel e matando o espaço público, especialmente nas zonas centrais.
O medo da cidade real nos está levando a abandonar seus lugares públicos e os deixando exatamente para aqueles dos quais queremos fugir. Como é impossível abandonar totalmente a cidade real, pois não há como transferir todas as atividades para dentro dos condomínios, só estamos tornando a vida “lá fora” ainda mais perigosa.Paradoxalmente, o único modo de tornar os lugares públicos mais seguros é habitá-los, como demonstrou Jane Jacobs [ver nota] há quarenta anos, criando lugares onde muitas atividades aconteçam ao mesmo tempo: moradia, trabalho, comércio, etc., em que os espaço públicos estejam sob constante vigilância dos seus usuários.
A cidade é uma das principais invenções humanas, lugar de imensa complexidade onde acontecem todas as nossas trocas e onde aprendemos a conviver com o Outro, com aqueles que não são iguais a nós. Que tipo de cidadãos vão ser as crianças criadas em isolamento nos condomínios atuais, onde se pode aprender a jogar golfe mas não se aprende nada sobre a vida real? Que aptidão terão para exercer uma vida plena e para serem artífices das mudanças sociais que tornarão obsoletos os condomínios fechados?
Os problemas atuais são sérios e as soluções não parecem estar próximas. Mas uma coisa parece certa: não é transformando a cidade num arquipélago de ilhas segregadas que vamos superar os problemas. Não vamos chegar a nenhuma solução atacando os sintomas em vez das suas causas.
É na cidade que se vive e onde aprendemos a viver. A vida nas cidades é infinitamente mais rica, pela sua complexidade e imprevisibilade, do que a que pode ser levada em algum paraíso artificial. Precisamos revalorizá-la e ao espaço público como lugares de segurança e cidadania. O quanto antes melhor.
Ilustração: condomínio na Praia do Peró, Cabo Frio. Típica situação: a relação com a cidade se limita a um muro; isolamento total até que a cidade chegue até lá...
Nota: me refiro à Vida e morte nas grandes cidades norte-americanas, Editora Martins Fontes, 2000, publicado originalmente em 1961.
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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas, por favor, identifique-se, para eu poder saber com quem estou me comunicando.
Esses condomínios fechados oferecem, obviamente, segurança, e também algum lazer e, nos casos de empreendimentos realmente grandes, educação e até locais para compras –percebe-se que ir ao shopping é o lazer de quem mora nesses lugares. Alguns condomínios possuem até transporte próprio para facilitar as excursões ao mundo exterior.
Aparentemente resolvemos o problema, pelo menos de modo parcial. Se olharmos apenas para o problema da falta de segurança e nosso horizonte se limitar ao curto prazo, poderemos afirmar que o problema está resolvido.
Mas está mesmo? A própria realidade mostra que não. Um problema imediato é a privatização da vida e a perda de privacidade nesses condomínios. Pode-se fazer o que se quiser, desde que esteja de acordo com as regras estabelecidas pelo proprietário. Tente construir a casa que quiser em uma dessas prisões de luxo chamadas condomínios fechados para ver o que acontece –as casas devem seguir um determinado estilo e os proprietários são “aconselhados” a contratarem os arquitetos indicados pelos donos do empreendimento. Todos os condomínios têm seu próprio plano diretor, e regulamentos que limitam e normatizam a vida dos condôminos. Em suma, nos livramos da insegurança e perdemos ao mesmo tempo a liberdade.
A médio prazo e pensando na qualidade da vida como um todo, estamos apenas criando um problema muito maior, porque a prática dos condomínios fechados, sejam eles habitacionais ou comerciais –e aqui podemos incluir os shopping centers e os centros de escritórios— está matando as cidades.
Com a nossa fuga da cidade –os condomínios nunca são construídos em áreas centrais-- estamos dissolvendo o tecido da cidade, reduzindo a multifuncionalidade que sempre lhe foi característica, aumentando a nossa dependência do automóvel e matando o espaço público, especialmente nas zonas centrais.
O medo da cidade real nos está levando a abandonar seus lugares públicos e os deixando exatamente para aqueles dos quais queremos fugir. Como é impossível abandonar totalmente a cidade real, pois não há como transferir todas as atividades para dentro dos condomínios, só estamos tornando a vida “lá fora” ainda mais perigosa.Paradoxalmente, o único modo de tornar os lugares públicos mais seguros é habitá-los, como demonstrou Jane Jacobs [ver nota] há quarenta anos, criando lugares onde muitas atividades aconteçam ao mesmo tempo: moradia, trabalho, comércio, etc., em que os espaço públicos estejam sob constante vigilância dos seus usuários.
A cidade é uma das principais invenções humanas, lugar de imensa complexidade onde acontecem todas as nossas trocas e onde aprendemos a conviver com o Outro, com aqueles que não são iguais a nós. Que tipo de cidadãos vão ser as crianças criadas em isolamento nos condomínios atuais, onde se pode aprender a jogar golfe mas não se aprende nada sobre a vida real? Que aptidão terão para exercer uma vida plena e para serem artífices das mudanças sociais que tornarão obsoletos os condomínios fechados?
Os problemas atuais são sérios e as soluções não parecem estar próximas. Mas uma coisa parece certa: não é transformando a cidade num arquipélago de ilhas segregadas que vamos superar os problemas. Não vamos chegar a nenhuma solução atacando os sintomas em vez das suas causas.
É na cidade que se vive e onde aprendemos a viver. A vida nas cidades é infinitamente mais rica, pela sua complexidade e imprevisibilade, do que a que pode ser levada em algum paraíso artificial. Precisamos revalorizá-la e ao espaço público como lugares de segurança e cidadania. O quanto antes melhor.
Ilustração: condomínio na Praia do Peró, Cabo Frio. Típica situação: a relação com a cidade se limita a um muro; isolamento total até que a cidade chegue até lá...
Nota: me refiro à Vida e morte nas grandes cidades norte-americanas, Editora Martins Fontes, 2000, publicado originalmente em 1961.
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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas, por favor, identifique-se, para eu poder saber com quem estou me comunicando.
2 comentários:
Edson, veja no meu blog um comentário sobre um MONSTRO arquitetônico que está sendo lançado aqui em São Paulo.
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