CONDENAÇÕES SUMÁRIAS

O edifício da Fundação Iberê Camargo ainda não foi concluido e já começa a servir alguns dos seus propósitos. O principal deles será o de criar um novo centro cultural em Porto Alegre, um lugar apropriado para abrigar a obra de Iberê Camargo e com condições para receber exposições internacionais.

No entanto, a sua existência vai ter outras consequências importantes. Uma delas será trazer à tona, de modo inescapável, o problema da recepção da obra de arte –incluo aqui a arquitetura por conter um componente artístico-- por parte do público não especializado.

Já se ouvem, aqui e ali, as primeiras reações ao edifício de Àlvaro Siza Vieira. Num jornal diário local, alguém o qualificava de “bunker” e reclamava da existência de poucas janelas para o Guaiba.

Não vou defender o prédio de Siza, apenas faço uma sugestão: calma, pessoal! Que tal um pouco de paciência, de boa vontade para tentar entender porque o edifício é como é? Se fizerem isso, tenho certeza de que, embora possam continuar não gostando dele, o desagrado será bem fundamentado. Vão se dar conta, entre muitas outras coisas, de que o lado principal do edifício está voltado para o oeste –o lado que recebe o sol mais danoso—e que ao longo das rampas há janelas que chegam a ter 3m de largura.

O problema principal das apreciações apressadas é que só julgam a aparência, comparando-a com as coisas que são familiares a nós. Se a sede da Fundação Iberê Camargo fosse um empreendimento comercial, certamente se pareceria com algum edifício histórico. E todos gostariam dele imediatamente, apesar
de que exalaria o cheiro característico dos cadáveres insepultos... No entanto, poucos voltariam a pensar nele. A má arquitetura é como a pornografia: fornece satisfação imediata mas deixa um gosto amargo na alma.

Portanto, uma segunda e até uma terceira olhada são recomendáveis quando se trata de arquitetura de verdade, projetada por arquitetos de reconhecida competência. O resultado desse envolvimento pode ser muito melhor do que se espera.

NOTA: As ilustrações foram tiradas de matéria publicada na revista Aplauso, nº 77, 2006 (entrevista com Álvaro Siza Vieira, realizada por Daniel Feix) e sua publicação aqui foi autorizada pela Fundação Iberê Camargo.

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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas, por favor, identifique-se (nome + email), para eu poder saber com quem estou me comunicando. Obrigado.

12 comentários:

Anônimo disse...

Pois é, Mahfuz... Eu, engenheira, só conheço o prédio por foto, mas faço parte da turma que não entendeu o que significa, embora respeite a autoria do projeto arquitetônico. Por favor, alguém poderia me explicar? Margaret Jobim

Edson Mahfuz disse...

oi margaret,

aí é que está o problema. como tu vais entender o edifício só por foto?

se e quando tu entrares nele, vais entender que as salas de exposição se organizam em "L", em torno de um espaço de altura tripla que tem a forma de 1/4 de círculo. Além disso, a circulação se dá parcialmente por dentro do espaço de altura tripla e parcialmente por fora dele, pelas rampas que são aqueles elementos que se vê fora. ali é que estão as janelas para ver o rio.

não garanto que tu vais passar a amar o edifício da FIC, mas entender a sua concepção é o primeiro passo para aceitá-lo e até admirá-lo.

isso já aconteceu comigo várias vezes: passei a gostar de obras que no primeiro momento não tinham me agradado.

o que me parece importante é suspender um pouco o julgamento, dando chance à obra de "se explicar".

abraço.

Anônimo disse...

Edson

Não daria para projetar toda área interna com um exterior menos seco, árido e feio?
Outra coisa, a não crítica não seria um "medo" de criticar o Siza?
Até hoje não li/ouvi crítica do espaço, mas sim da feiura do exterior.

bro disse...

Nao sou arquiteto, nem a ela de qualquer maneira ligado. Ilacoes obvias a parte, ignoro totalmente quem seja ou deixe de ser Alvaro Siza Vieira. Apenas, vejo o que vejo...

Inicialmente, e a foto superior o evidencia gritantemente, o edificio se insere na paisagem como um trator num orquidario. Nao compoe, nao se harmoniza com nada. Sua construcao angular talvez fluisse na paisagem de Brasilia, digamos; ali onde esta, inequivocamente remete a um bunker de guerra, uma coisa defensiva, fortificada, agressiva no mau sentido da palavra.

Repito, nao sei quem e' Alvaro Siza Vieira. Ouvi dizer que e' luso famoso e imagino, vem-me quase certeza tenha ascendentes acorianos. E' tipico dos edificios acorianos essa repulsa `as aguas, aos horizontes: o porto do Porto Alegre bloqueado por armazens e um muro, os casaroes coloniais de Parati todos de costas para o mar, como o casario original de Ribeirao da Ilha em Florianopolis, como as casas do centro historico de Sao Francisco do Sul. Na arquitetura acoriana e' sempre evidente uma nitida agorafobia e atroz hidrofobia. (De tanto trabalhar no mar tinham enjoo dele em terra, vai ver.) Aqui, com ampla oportunidade de beneficiar-se de localizacao geografica privilegiadissima, o construto se fecha sobre si, desconsidera o redor, nega a seus ocupantes qualquer visao mais ampla do circundante. Introspectivo, pesado, depressivo, soturno, alienado... sao adjetivos que me evoca.

Isso por fora. Por dentro nao sei.
Provavelmente nunca saberei: aquilo ali nao convida, mas nao me convida MESMO a entrar.

Se o ideal da forma e' espelhar a funcao, eu sugeriria a FIC doasse a coisa medonha para a SUSEPE. Nunca vi tao escarrada uma prisao de maxima seguranca.

Anônimo disse...

alô, edson!
eu entrei no prédio por ocasião de uma solenidade (lançamento de um projeto cultural). há um gigantesco vão livre, e me pareceram as salas de exposições muito pequenas. algo parecido como a usina do gasómetro, onde há muito espaço, mas pouco espaço bem aproveitável.
gosto do prédio mais por fora do que por dentro; não achei agradável andar nas rampas, embora haja, de vez em quando, uma vista para o rio. as rampas e o vão central lembram um pouco o gug/ny
só que das rampas iberianas a gente não enxerga o vão, a gente está dentro de uma tripa.
mas vamos ver como fica depois de pronto.

Anônimo disse...

Caro Édson,

Este prédio conseguiu o impossível: concordei com o Bro, amigo velho de tantas discordâncias. Sou engenheiro civil, mas como diz o FHC, com um pé na arquitetura. Horroroso.

Anônimo disse...

Ola, Prof Edson
Me chamo Fabricio Fontolan e sou arquiteto em Curitiba, gostaria de parabeniza-lo por esse site qeu descobri meio ao acaso e que tanto contribue para a critica da arquitetura e do pensamento.
Gostaria de saber onde posso encontrar o seu livro "Ensaio sobre a razão compositiva", pois por aqui encontrasse esgotado...


Parabens e continue assim promovendo a reflexao de nosso espacos =)

Anônimo disse...

Olá Edson,

Como sempre textos muito bons e interessantes! Concordo com vc, uma segunda ou terceira olhada são recomendáveis!!

E tb tentarmos o desprendimento do q é familiar.

Anônimo disse...

o prédio é esquisitão mesmo,
por isso é incrível!
nunca verão nada parecido, ele é diferente- só por isso já é boa arquitetura!

sobre a inserção é só olhar p os vizinhos dele p ter a aula de como não fazer, o prédio iberê é bem colocado e respeita a clareira q já havia sido aberta!
no mais, oeste é o inferno! hehehehhe...
abs
cristiano

siza vieria se garante.

Edson Mahfuz disse...

A participação de todos foi tão estimulante que, ao invés de responder por meio de um comentário, farei uma postagem a respeito.

obrigado pelo interesse!!!

Bruno Chrispim disse...

Edson, apesar do "tal" Bro não ser arquiteto, engenheiro ou nada afim, eu que sou arquiteto, nunca, jamais em sob nenhuma circustância saberia definir tão bem e em tão boas palavras o que o FIC me transmite. Só venho aqui ratificar o que o Bro disse e assinar em baixo. Um abraço.

Edson Mahfuz disse...

respeito a tua opinião mas, mesmo sem ser um admirador do edifício, acho que se deve esperar um pouco mais para dar uma opinião mais conclusiva.

por menos que se goste desse objeto, ainda o prefiro às outras alternativas possíveis, a julgar pelo que se vê ser construido hoje em Porto Alegre.