SETE PONTOS PARA UMA CIDADE LÓGICA E SUSTENTÁVEL

Stanley Park, Vancouver, uma das cidades em que se encontra a maioria das características aqui descritas.

Em um texto chamado A cidade fragmentada o arquiteto Alberto Campo Baeza comentava a proposta de uma Ministra da Habitação espanhola – infelizmente não identificada – para se obter uma cidade lógica e sustentável.

A proposta da senhora ministra consistia em sete pontos muito claros:
Compacidade: a cidade deveria ser compacta.
Mescla: a cidade deve misturar muitos usos diferentes.
Transporte público eficaz.
Bons equipamentos de todos os tipos.
Moradias acessíveis.
Espaços verdes acessíveis.
Escritórios e fábricas adequadas.

Essa proposta me parece tão interessante, partindo de um político, que me parece merecer um comentário mais detalhado, embora eu já tenha tratado de vários deles separadamente neste blog. A surpresa com a procedência da sugestão se deve ao fato de que a maioria dos políticos têm muito pouco conhecimento dos temas que lhes toca conduzir, se limitando a fazer o óbvio e tocar politicamente suas secretárias e ministérios.

Compacidade. Se trata de fazer com que a cidade seja menos espalhada pelo território e se concentre sobre uma área menor. Em outras palavras, menos subúrbio, mais cidade, menos Barra da Tijuca, mais Ipanema, Leblon, Higienópolis/SP, Bonfim/RS. Maior densidade significa mais pessoas por km2, logo uso mais eficiente dos equipamentos e maior segurança, sem falar na maior vitalidade urbana resultante da maior densidade.

Mescla de atividades. Não adiantaria muito ter cidades mais compactas se as atividades desenvolvidas em cada setor urbano fossem únicas ou muito poucas. Quanto maior o número de atividades existentes em qualquer área, menos necessidade deslocamentos a outras partes da cidade. O conceito de unidade de vizinhança define como um setor urbano vital e qualificado aquele em que seus habitantes não têm que caminhar mais do que 600 metros (±10 min)  para suprir necessidades básicas.

Os dois tópicos acima são unanimidade entre os urbanistas de todas as partes e têm sido assim há décadas. Só nossos administradores não sabiam disso, ou talvez isso não lhes rendesse dividendos políticos e por isso essas ideias eram ignoradas.

No entanto, compacidade e mescla de atividades não terão muito efeito se não forem acompanhadas de um transporte público eficaz. O transporte público é a alma das melhores cidades do mundo. O dinheiro aplicado na criação de um sistema público de transporte realmente eficiente tem muito mais efeito do que o que gastamos em  criar novas ruas e estradas e em aumentar as existentes, num esforço que é, em última análise, inútil, devido ao fenômeno da demanda induzida: quanto mais se constrói vias para desafogar o trânsito, mais pessoas passam a usá-las e mais rapidamente elas se tornam congestionadas novamente.

Transporte público eficiente significa menos carros nas ruas a qualquer momento. Mas isso se choca com as políticas míopes dos nossos governos recentes, que incentivam a compra de carros até por quem não tem condições de pagar as prestações mensais.

Bons equipamentos urbanos de todos os tipos estão em falta na grande maioria das cidades brasileiras. São edifícios e espaços abertos que abrigam atividades que tenderiam a elevar a qualidade de vida diária da população em geral. Me refiro àquilo que já chamei de infraestruturas para a vida cotidiana: centros de saúde, esportivos, de convivência, culturais, bibliotecas, etc, distribuídos pelos bairros da cidade.

Moradias acessíveis tem o duplo significado de que é preciso produzir habitação para todas as faixas sociais a preços compatíveis com cada poder aquisitivo e que elas não sejam localizadas a 50 km de distância de onde as pessoas trabalham mas nos setores compactos e de uso misto mencionados acima, assim como deveriam ser servidos pelo mesmo transporte público eficiente.

Espaços verdes acessíveis: a necessidade de ter contato com a natureza deve ser contemplada com a presença de parques e praças distribuídas por toda a cidade, quando não for possível uma real penetração de faixas naturais no tecido da cidade.

Escritórios e fábricas adequadas: incorporar aos espaços de trabalho os avanços em termos de eficiência energética, habitabilidade e sustentabilidade que reivindicamos para os demais edifícios.

A presença desses sete pontos num plano de governo de algum candidato brasileiro já seria motivo de esperança, mas só encontramos coisa parecida quando o candidato é arquiteto – como nos casos de Luis Paulo Conde no Rio e de Jaime Lerner em Curitiba – ou quando está assessorado por algum arquiteto em que acredite – como foi o caso em Barcelona com Oriol Bohigas, em Córdoba com Miguel Angel Roca, e no Rio quando o mesmo Conde assessorava César Maia.

Uma perspectiva realista indica  que não é possível transformar as cidades na sua totalidade em cidades lógicas e sustentáveis, mas é possível imaginar a cidade composta de muitos setores compactos e mistos conectados por transporte eficiente, com áreas entre eles em que a transformação seja pequena ou nenhuma. Isso já seria muito.

Além de um plano abrangente faz muita falta um verdadeiro pensamento estratégico, em que a cidade dirija efetivamente o desenvolvimento da cidade, criando incentivos para que algum objetivo coletivo se realize ou empecilhos para dificultar a materialização de algum fenômeno nocivo à cidade que se quer.


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2 comentários:

maria tomaselli disse...

edson, me parece que aqui se fala, como se a cidade fosse construída do nada. aí tudo certo. mas há centros históricos.como preservá-los? não dá para derrubar as casinhas e fazer adensamento e subir andares, me parece. assim todas cidades do mundo vão ter a mesma cara. beijos e parabéns pela volta da discussão. maria tomaselli.

maria.tomaselli@gmail.com

Edson Mahfuz disse...

to,

os centros históricos já são densos por natureza. eu diria mesmo que são a referência ideal para a melhoria das outras partes da cidade. é raro o centro histórico composto por casinhas, a não ser em alguma cidade muito pequena. o normal é que essas áreas sejam compostas por prédios de até 6 andares.

na minha opinião, nos centros históricos não há muito o que fazer do ponto de vista construtivo, apenas ações para manter a sua vitalidade. portanto, não se preocupe. daqui não vão sair sugestões de substituições de centros históricos por horrores contemporâneos.

além disso, densidade não é sinônimo de altura: se pode obter cidades densas com edifícios de baixa altura (6 no máximo), o que ainda permite uma boa relação do morador com o nível do passeio.

obrigado pela contribuição.