Recentemente nosso presidente anunciou a construção de um milhão de habitações e acompanhou essa medida com a redução de preço de vários materiais e componentes utilizados na construção civil.
Sem dúvida, excelentes medidas. No entanto, após ler e ouvir muito sobre o assunto, e de vê-lo sendo aproveitado como plataforma eleitoral por uns e outros, fiquei preocupado com dois aspectos do problema.
O primeiro é a rapidez com que pensam ser possível construir tantas habitações. Projetos de conjuntos habitacionais − que incluem uma série de outros equipamentos além das moradias − não podem ser feitos em menos de seis meses. Some-se a isso alguns meses para a licitação da obra e pelo menos um ano para a construção e temos um prazo mínimo de dois anos, o que não é nada na escala de tempo de uma cidade mas certamente um tempo longo demais do ponto de vista da eleição do sucessor do nosso presidente...
O segundo problema é que, em nenhum momento, foi mencionada alguma preocupação com a qualidade das novas moradias. Nosso governo parece achar que é suficiente dar um teto para os menos favorecidos e tudo estará resolvido. Se esquecem de que é exatamente aí – onde as unidades são de tamanho mínimo – que se precisa mais qualidade. Num projeto de habitação social é fundamental tirar o máximo uso de cada metro quadrado interior, assim como é fundamental projetar espaços abertos de boa qualidade e dotar o conjunto de equipamentos de uso coletivo (escola, quadras esportivas, creche, locais de trabalho, etc).
A própria Caixa Federal − agência financiadora da maioria das habitações de interesse social −tem realizado desde 2004 concursos com a finalidade de “trazer boas ideias para a área da habitação social”. Isso é um reconhecimento oficial de que o nível de qualidade da habitação de interesse social é muito baixo. No entanto, a Caixa premia vários projetos a cada dois anos e não faz nada com eles a não ser depositá-los em alguma gaveta de Brasília.
Enquanto no exterior se faz centenas de concursos para habitação de interesse social e se os constrói, no Brasil – onde há uma aguda necessidade de qualidade nesse setor – o órgão responsável se dá ao luxo de realizar concursos que levam a nada.
Se chegarem mesmo a construir esse milhão de moradias, temo que a qualidade vai ser muito baixa, como de costume. Mais um caso em que se pensa que quantidade é suficiente.
Como ilustração, algumas imagens de um dos concursos da Caixa em que participei, sendo a proposta localizada em Cristalina, GO. Projeto premiado e, é claro, engavetado.
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Sem dúvida, excelentes medidas. No entanto, após ler e ouvir muito sobre o assunto, e de vê-lo sendo aproveitado como plataforma eleitoral por uns e outros, fiquei preocupado com dois aspectos do problema.
O primeiro é a rapidez com que pensam ser possível construir tantas habitações. Projetos de conjuntos habitacionais − que incluem uma série de outros equipamentos além das moradias − não podem ser feitos em menos de seis meses. Some-se a isso alguns meses para a licitação da obra e pelo menos um ano para a construção e temos um prazo mínimo de dois anos, o que não é nada na escala de tempo de uma cidade mas certamente um tempo longo demais do ponto de vista da eleição do sucessor do nosso presidente...
O segundo problema é que, em nenhum momento, foi mencionada alguma preocupação com a qualidade das novas moradias. Nosso governo parece achar que é suficiente dar um teto para os menos favorecidos e tudo estará resolvido. Se esquecem de que é exatamente aí – onde as unidades são de tamanho mínimo – que se precisa mais qualidade. Num projeto de habitação social é fundamental tirar o máximo uso de cada metro quadrado interior, assim como é fundamental projetar espaços abertos de boa qualidade e dotar o conjunto de equipamentos de uso coletivo (escola, quadras esportivas, creche, locais de trabalho, etc).
A própria Caixa Federal − agência financiadora da maioria das habitações de interesse social −tem realizado desde 2004 concursos com a finalidade de “trazer boas ideias para a área da habitação social”. Isso é um reconhecimento oficial de que o nível de qualidade da habitação de interesse social é muito baixo. No entanto, a Caixa premia vários projetos a cada dois anos e não faz nada com eles a não ser depositá-los em alguma gaveta de Brasília.
Enquanto no exterior se faz centenas de concursos para habitação de interesse social e se os constrói, no Brasil – onde há uma aguda necessidade de qualidade nesse setor – o órgão responsável se dá ao luxo de realizar concursos que levam a nada.
Se chegarem mesmo a construir esse milhão de moradias, temo que a qualidade vai ser muito baixa, como de costume. Mais um caso em que se pensa que quantidade é suficiente.
Como ilustração, algumas imagens de um dos concursos da Caixa em que participei, sendo a proposta localizada em Cristalina, GO. Projeto premiado e, é claro, engavetado.
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9 comentários:
novamente nos deparamos com a falta de paceria entre o poder público e o meio acadêmico! com os mesmos objetivos, cada um anda para um lado, o poder sem conhecimento técnico e sem pesquisa e nós, com estudos, propostas e, sem poder para colocar em prática! está demorando...
obrigada pela oportunidade de um pequeno desabafo, Lívia Damé, arquiteta mestre
... e sem falar em toda a questão ambiental, que simplesmente é ignorada... Cortam um monte de árvores para estes loteamentos, como fizeram na Vila Nova, não providenciam novas áreas verdes, e a avenida que passa na frente vira um engarrafamento só. Depois os agraciados montam seu negócio na frente da casa, constróem mais uns puxadinhos, e tudo volta a ter cara de favela. Em vez de novas obras, deveriam aproveitar o estoque já existente de habitações vazias, começando pelos espigões no centro da cidade cuja construção não foi terminada!
Fantástico post!
As pessoas não veem o médio e longo prazo. O governo se preocupa em assistir à baixa renda, mas sem qualidade alguma. As informações não se encontram. Exemplo perfeito são esses concursos que a Caixa elabora. Seria uma ótima parceria. Projetos pré-aprovados. Por que fazer planos faraônicos pra construção civil e não colocar o meio acadêmico junto? Ótima oportunidade para arquitetos recém formados colocar toda a teoria em prática. O "romantismo" acadêmico em prol da boa habitação.
Pena que as coisas são pesadas através de futuros apoios políticos e votos da baixa renda.
Acabaremos no mesmo modelo desatualizado de moradia social. Uma caixa de sapato em cima da outra sem qualquer criação de espaço urbano de qualidade e interação com o entorno. Muitas iniciativas parecidas e com muita qualidade já foram estudadas e até mesmo executadas em países vizinhos... e nós continuamos investindo no sistema COHAB...
Ih, se fosse o modelo da COHAB seria menos pior. Vocês precisam ver o que eles constroem no nordeste. Aqui nós chamamos essas casas de "galinheiro", só pra vocês sentirem o drama.
Este tema é bom.
Mas vim até aqui procurando o manifesto teu e de outros colegas a respeito dos estádios da Copa e de seus arquitetos... Gostei de ver, parabéns.
Novamente: excelente!
A baixa qualidade nos projetos socias é um grave problemas. Costumam achar que baixa renda está obrigatoriamente ligada à baixa qualidade, péssimo acabamento e projetos que não fazem sentido. Penso justamente que quem mais precisa de arquitetos, não são os endinheirados com dinheiro para encher a casa de frescurites e rococós. São as familias, que precisam do mínimo de conforto e projetos inteligentes, que consigam propiciar alguma felicidade na vida delas. Já dizia um professor meu que o arquiteto é o primeiro médico da familia, pois ele é que vai saber onde o sol entra, qual é o melhor comodo para aquele local, como organizar a casa para que ela fique no minimo "habitável" e com o conforto que todos merecem.
Parabéns novamente!
Como arquiteta da CAIXA partilho com voce a mesma preocupacao. Cada vez que aprovo um projeto meu coracao doi. Pior ainda e quando vou visitar as obras, se a qualidade do projeto era baixa, a execucao entao, nem se fala. Mas te digo que muitos de nos na CAIXA lutam por um minimo de qualidade, seja em um projeto mais ergonomico e flexivel, ou acabamentos melhores. Para isso ate um programa de assistencia tecnica foi lancado.
Eu vejo duas fontes de problemas:
1. pouco recurso financeiro por unidade habitacional
2. projetos feito pelos engenheiros das construtoras que irao tentar a licitacao. Engenheiros estes que jamais forma educados para fazer projeto de habitacao de interesse social.Ha uma grande ausencia de projetos feito por arquitetos.
E sobre os tais projetos engavetados. E realmente uma tristeza. Depende dos municipios ou estados que recebem o financiamento utiliza-los. Fazer essa ponte e imprescindivel. A CAIXA deveria dar incentivos para os que quisessem utilizar esses projetos. Quem sabe? Habitacao de interesse social e um assunto complexo, com nuances sociais, politicas e economicas que sobrepoem a arquitetura em si. A CAIXA e so mais uma engrenagem, e uma que range alto tentando melhorar o panorama geral. Se ainda estamos longe de um cenario ideal e porque ainda nao alcancamos uma solucao viavel. Tomara que um dia a gente chegue la. Talves no dia que entregar casa a populacao nao renda votos!
usha,
obrigado pelo comentário e por entender a minha posição neste assunto. na verdade, o que eu gostaria de fazer é elogiar a Caixa por fazer o que se faz em inúmeros países do mundo.
um dia certamente vamos ter governos sensíveis ao problema da habitação social, pois esse é um tema em que quantidade apenas não resolve.
um abraço.
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