"PLANEJAMENTO"

Nas últimas semanas, um dos fatos que têm atraído a atenção do público em Porto Alegre é a discussão sobre o destino de várias áreas da cidade, seja porque são importantes em si mesmas, seja pelo tamanho dos empreendimentos que pretendem ocupá-las.
Estou falando dos projetos para a Ponta do Estaleiro, a reforma e ampliação do complexo do estádio do Internacional − ambos na beira do Guaíba e próximos à Fundação Iberê Camargo − e o novo estádio do Grêmio, planejado para o bairro Humaitá. Todos dependem de aprovação na Câmara Municipal, pois sua viabilização exigirá alterações no Plano Diretor. Junte-se a esses três projetos o recém inaugurado Barra Shopping, próximo aos dois primeiros e vizinho ao Hipódromo do Cristal, um conjunto de edifícios de valor histórico apreciável.
Que relação existe entre os quatro projetos? Além do fato de serem grandes empreendimentos, que inevitavelmente transformarão as áreas onde serão construídos, esse conjunto de projetos revela um fato preocupante, embora comum à todas as cidades brasileiras: a falta de planejamento, de visão de futuro e de conjunto das nossas administrações.
Em qualquer cidade em que qualidade de vida seja algo real e não um slogan publicitário, a sua administração estuda a cidade, identifica áreas com potencial de desenvolvimento e literalmente projeta o seu futuro. Assim, raramente é pega de surpresa por iniciativas com as que mencionei acima.
Ao invés de projetar e induzir o futuro, definindo o que deve ser feito em cada parte da cidade, nossas administrações limitam-se a criar restrições − de uso, de ocupação, de altura, etc. Isso faz com que estejam sempre “apagando incêndios”, tendo que responder apressadamente e sobre intensa pressão às demandas dos empreendedores.
Tome-se o caso do Barra Shopping, recém inaugurado no bairro Cristal. Perdeu-se ali uma grande oportunidade de projetar um bairro inteiro, que integrasse o shopping, o hipódromo, a orla, habitação, serviços e tudo o mais que dá vitalidade à vida urbana. (Ver Apatia Terminal, postado aqui em dezembro de 2006). Outro exemplo de situação em que a prefeitura só tinha duas alternativas, aprovar ou rejeitar, sem tempo nem condições de propor algo que contemplasse as aspirações dos promotores mas também significasse um salto de qualidade para a região.
O que a cidade precisa é menos restrição e mais projeto, definição do que deve ser construído, quanto e como. Após esse passo fundamental é que entra a iniciativa privada para concretizar esses projetos e cumprir o seu papel na economia. Sempre que a iniciativa for deixada para o setor privado, os ganhos para a cidade serão mínimos, não obstante as campanhas de promoção de vendas. Por outro lado, quando há projetos urbanos competentes e com visão de futuro, todos ganham, inclusive os empreendedores.
Enquanto as prefeituras não se derem conta de que seu papel deve ser prescritivo, definidor, e não restritivo, continuaremos perdendo oportunidades e tendo as condições urbanas que temos hoje. Está na hora de as secretarias de “planejamento” ou “urbanismo” perderem as aspas e cumprirem o seu real papel.

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5 comentários:

Diego Schmidt (lotaH) disse...

A maior prova da falta de planejamento (leia-se: planejamento de cidades não deve ser feito só por políticos) é a plolemica que esses empreendimentos, necessários para aumentar o pouco investimento que Porto Alegre tem, tem causado.

Edson Mahfuz disse...

É curioso notar que a polêmica na Câmara em relação ao Pontal do Estaleiro se deu em torno de permitir ou não a inclusão de moradias no projeto, quando se sabe que esse é um uso indispensável para que se crie um entorno urbano com vitalidade.

Se a Prefeitura tivesse definido isso antes, não haveria nenhuma confusão.

Diego Schmidt (lotaH) disse...

É verdade, a discussão deveria ser no sentido de potencializar os investimentos. Não barra-los.

Jorge Luis Stocker Jr. disse...

Estás coberto de razão neste texto.

Realmente deveria haver mais envolvimento das prefeituras, através das secretarias de planejamento, no sentido de qualificar o espaço urbano.

O que se vê hoje, é o setor imobiliário ditando os rumos do urbanismo das cidades, sem estudos de impacto adequados.

[[http://dzeit.blogspot.com/]]

Anônimo disse...

é isso, a velha história da falta de planejamento, projeto...

mas acho que os ganhos para todos, com ações 'dirigidas' por planos e projetos, não são iguais (não existe 'todos', somos diversos). e é por isto que planos e projetos como 'reguladores' ao longo prazo das ações, nem sempre são 'ativados'. porque também há uma ignorância geral no uso dos 'meios disponíveis'.

quando são, porque temos uma brutal desigualdade de interesses (e possibilidades de realizá-los), como também uma postura imediatista de empurrarmos com a barriga os problemas para o futuro, condenando as gerações vindouras a arcar com os custos de nossas barbeiragens, o projeto ou plano, quando feito, é instrumento de controlar e realizar privilégios.

de qualquer modo, projetos e planos tem sua utilidade, por potencialmente colocarem em debate os meios de se realizar as picaretagens costumeiras. mas, para isto, precisamos de planos e projetos de orientação distinta (arquitetos-urbanistas, como conjunto, ainda não atingimos este patamar). para que, por contraste, as maiores picaretagens (se não todas) sejam conhecidas e possivelmente 'desarmadas'; no debate.

projetos e planos são 'solução', mas não por si mesmos.
enquanto reclamarmos a potência dos planos e projetos em si, não nos mostraremos aptos a sequer usar de tal potência. continuaremos a ser ingênuos. ou malandrinhos, tentando convencer a todos a fazerem aquilo que, antes, nos favorece.

arquitetos-urbanistas precisam encontrar a diversidade, em seu campo, em suas propostas, que reflitam a diversidade de interesses em jogo. somos deveras parecidos.

então, nossos planos e projetos poderão refletir a diversidade que faria deles, planos e projetos, uma expressão cabal do que deve ser 'prospectado'. assumindo, de fato, o papel de planos e projetos.