APATIA TERMINAL

Sou de opinião, já manifestada várias vezes, que o subdesenvolvimento não é apenas uma questão econômica, mas fundamentalmente mental, psicológica, de atitude perante a vida, em suas múltiplas facetas. A pobreza e a baixa qualidade de vida acabam sendo sintomas, consequências das decisões erradas que tomamos.

Em postagem anterior (Obra pública e qualidade de vida) eu já havia me manifestado contra a apatia e a falta de iniciativa das administrações públicas brasileiras, ressalvando as raríssimas exceções à essa regra.

Volto a esse tema em função do encontro realizado na UFRGS, organizado pelo seu Programa de Pós-graduação e Pesquisa em Arquitetura, focalizando a sede do Jockey Clube do RS, em Porto Alegre, e o seu entorno imediato, à beira do lago Guaiba. Para quem não sabe, o clube passa por dificuldades, e discute-se o que fazer com o seu enorme patrimônio, constituido não apenas por um grande terreno sobre o qual está a pista de corridas, mas por pavilhões de enorme importância arquitetônica e cultural, projetados pelo arquiteto uruguaio Roman Fresnedo Siri.

Na imagem que acompanha este texto vê-se acima, o setor da cidade onde está situado o Jockey Clube e, abaixo, uma das ameaças que paira sobre ele.

No seminário realizado na UFRGS, foram apresentados quinze projetos para o desenvolvimento da área, produzidos por equipes do PROPAR/UFRGS, assim como da Universidade Tecnológica de Viena e da PUC de Santiago, Chile. Todos esses trabalhos tomavam como área de investigação não apenas o terreno do Jockey Clube senão todo o seu entorno.

Embora o conjunto apresente grande diversidade de soluções, os trabalhos tinham dois pontos em comum: a busca de soluções para a preservação digna da sede do Jockey e o tratamento da área como um novo bairro, constituído de uma multiplicidade de atividades complementares (moradias, comércio, trabalho, serviços, esportes, lazer, etc).

O evento, longe de ser mais um encontro entre acadêmicos, foi um modo de protestar contra a falta de direção no desenvolvimento urbano de Porto Alegre, e de apresentar soluções para um problema específico e angustiante para os interessados.

Ao fim do encontro, ficou no ar uma pergunta já um tanto antiga: porque a administração municipal não se adianta aos fatos, identificando áreas de desenvolvimento potencial na cidade e promovendo projetos que possam ser oferecidos à iniciativa privada? Porque a apatia que nos leva a estar sempre tentando evitar o mal maior e tendo que nos conformar com soluções pela metade?

No caso presente, estamos diante da possibilidade que se construa um centro comercial que irá ocultar e depreciar um elemento importante de um patrimônio cultural já bastante ralo, além de contribuir muito pouco para melhorar o seu entorno. A péssima qualidade da arquitetura do shopping proposto nem chega a ser o pior problema. Muito pior é a falta de visão, que impede a cidade de tratar esse caso como uma oportunidade de qualificar uma parte considerável da cidade.

Essa possível qualificação só virá se o poder público tomar a frente e projetar esse setor da cidade. Não se pode esperar que a iniciativa privada o faça; esse não é o seu papel na sociedade em que nos toca viver.

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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas, por favor, identifique-se (nome + email), para eu poder saber com quem estou me comunicando. Obrigado.



12 comentários:

Anônimo disse...

....e, abaixo, uma das ameaças que paira sobre ele.



por favor explica melhor: esta ameaça já é um projeto desenhado e apresentado? já corre na prefeitura? ou é uma ameaça imaginada por enquanto

Edson Mahfuz disse...

to,

a imagem é da primeira versão de um projeto APROVADO pela prefeitura de porto alegre. infelizmente, não há nada de imaginário nela.

provavelmente, não se tornou realidade ainda (ou pesadelo) pela nossa precariedade econômica, ou pela dificuldade de transferir para outro lugar a favela que existe ali.

Edson Mahfuz disse...

um projeto que só se preocupa com ele mesmo, como seria de esperar da construção comercial local.

a relação com a água se limita a um mar de estacionamentos.

o pior é pensar que a maioria da população o aprovaria sem hesitar.

TO disse...

que horror, edson!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
eta cidade que odeia seu rio, seu lago
faz questão de não conviver com ele

Edson Mahfuz disse...

sonho com um tempo em que ninguém terá coragem de propor algo assim, pois certamente será recusado pela população.

esse tempo ainda está longe, mas é importante fazer algumas coisas que podem ajudar que venha a acontecer. o protesto de hoje, embora inútil, pode ser a base de algo mais eficiente no futuro.

Anônimo disse...

"…Não sei se preguiçoso ou se covarde,
Debaixo de meu cobertor de lã
Eu faço samba e amor até mais tarde
E tenho muito sono de manhã…"
(Samba e Amor, Chico Buarque 1969)

O problema prof. Mahfuz, é que poucas pessoas dão bola para a cidade, preferem ficar sob seus cobertores de lã e só depois do estrago se pronunciarem, e aí já é tarde...

Parabéns por teres levantado a questão, que já ameaça a área do jóquei há algum tempo e tomara que nunca tenhamos que presenciar tamanho estupro arquitetônico.

abraço
luciano

Edson Mahfuz disse...

luciano,

pelas informações que tenho, a construção desse shopping já começou e nada pode pará-la. mais uma grande perda para a cidade, pois de ter que conviver com ele, deixamos de melhorar todo um trecho importante de porto alegre.

abraço.

Anônimo disse...

pois é Edson, uma pena... como pode ser tão difícil as coisas correrem bem em Porto Alegre?

O que podemos fazer, que não seja dar murro em ponta de faca?

Anônimo disse...

Lamentável, realmente.
Imagino que a ausência dos arquitetos e urbanistas no cenário político da cidade seja uma das causas de nossa alienação.
Sabemos sempre tarde demais e não temos representatividade suficiente para interferir.
Em tempo:espaços como este podem fazer grande diferença.
Parabéns pelo trabalho de conscientização e informação que tens realizado.
Como ficarão as construções existentes do Jóquei , que são fantásticas?

Edson Mahfuz disse...

vania,

estou de acordo contigo.

não se sabe ainda o que será feito do jockey. o que se sabe (conforme a Zero Hora de hoje) é que o shopping vai sendo construido a todo vapor.

me parece certo que não haverá qualquer integração entre as duas coisas.

sobre a tua sugestão de pauta de algumas semanas atrás, estou pensando como introduzir esse assunto num ano delicado como é o do centenário do autor.

abraço.

Edson Mahfuz disse...

luciano,

não vejo outra coisa a fazer senão chamar atenção para os problemas, dar opinião, apontar alternativas. pode parecer inócuo, mas é melhor que n fazer nada e deixar a cidade ser destruída sem qualquer oposição.

abraço.

Okamix disse...

Estou visitando o site pela primeira vez e gostei bastante !

Já adicionei o site nos favoritos para estar acompanhando sempre as novidades !

Parabéns e Sucesso !
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