Espaço da Casa FOA: cada cm2 é oportunidade para colocar mais um objeto
Ocasionalmente alguém me pergunta: “não vais participar da Casa…?”, num tom parecido com “tu não trocas de carro a cada ano?” ou “não passas o reveillon em Punta del este?”. Implícito na pergunta está o meu baixo status de não participante em ditos eventos.
As mencionadas feiras de decoração são derivações de uma iniciativa argentina chamada Casa FOA, assim chamada porque os recursos arrecadados se destinam a uma instituição beneficiente, a Fundação Oftalmológica Argentina. Dessa origem estrangeira, começaram a proliferar até o ponto em que são realizadas nos confins do interior gaúcho.
Respondendo àquelas boas pessoas, interessadas em me tirar da marginalização social e profissional −como não participante de nenhuma Casa…!− apresento como justificativa quatro argumentos.
O primeiro deles é que me parece muito estranho pagar para trabalhar. Na faculdade nos contavam que na vida profissional se produziria projetos e/ou administraria obras mediante o pagamento de honorários. Nas Casa… os participantes pagam para participar, não o contrário. Devem ter frequentado faculdades diferentes da minha.
Também aprendi que o trabalho de um arquiteto sempre responde a necessidades reais dos clientes, sejam eles individuais ou coletivos, públicos ou privados. Para minha surpresa, após algumas edições em que os “convidados” projetavam espaços domésticos, a obsessão patológica do mundo moderno por novidades levou os organizadores dessas feiras a criarem programas esdrúxulos como veículo para a “criatividade” dos participantes. Assim, foram projetados espaços para artistas estrangeiros há muito falecidos (sorte deles), meras garagens foram transformadas em mini museus automotivos e até um estar indígena (!!!) foi criado, claro está que com o melhor do mobiliário contemporâneo −chão batido e palha não combinavam com a estética dominante.
Um dos principais problemas dessas feiras é o excesso que caracteriza a grande maioria das “propostas”: participante das Casa… não faz projetos, isso é coisa da gentalha. Sempre há nos espaços pelo menos 100% a mais de elementos do que seria necessário e indicado pelo bom senso. Já vi banheiros de 3m2 (lá chamados de spa) que continham cascata, piso de vidro revelando pedras relaxantes e luzes de casa noturna dos anos 80. No mesmo espírito lembro de um dormitório de adolescente que parecia um alojamento de surfistas em férias na Austrália, tal o número de coisas colocadas ali. A sensação com que sempre saio ao visitar esses eventos é a de que viver naqueles espaços é a coisa mais próxima de experimentar um pesadelo contínuo em vigília. Um das qualidades das moradias não era ser um espaço de repouso e relaxamento?
O quarto ítem que me desagrada é a glorificação da autoria. Esses locais são o habitat natural do arquiteto-estrela, que está seguidamente por lá para apresentar a sua criação e distribuir cartões e folders (quando não está sua foto sorridente o[a] representa). Penso que a arquitetura é um fato cultural, que o autor pouco importa e que deve desaparecer por trás da obra. Como prefiro a discrição à auto-promoção, fico de fora dessas feiras. O que é claro, significa que não troco de carro a cada ano nem passo os reveillons em Punta del Este.
__________________
OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas só serão publicados e respondidos aqueles que tiverem autoria (nome + email, por favor). Obrigado.
Ocasionalmente alguém me pergunta: “não vais participar da Casa…?”, num tom parecido com “tu não trocas de carro a cada ano?” ou “não passas o reveillon em Punta del este?”. Implícito na pergunta está o meu baixo status de não participante em ditos eventos.
As mencionadas feiras de decoração são derivações de uma iniciativa argentina chamada Casa FOA, assim chamada porque os recursos arrecadados se destinam a uma instituição beneficiente, a Fundação Oftalmológica Argentina. Dessa origem estrangeira, começaram a proliferar até o ponto em que são realizadas nos confins do interior gaúcho.
Respondendo àquelas boas pessoas, interessadas em me tirar da marginalização social e profissional −como não participante de nenhuma Casa…!− apresento como justificativa quatro argumentos.
O primeiro deles é que me parece muito estranho pagar para trabalhar. Na faculdade nos contavam que na vida profissional se produziria projetos e/ou administraria obras mediante o pagamento de honorários. Nas Casa… os participantes pagam para participar, não o contrário. Devem ter frequentado faculdades diferentes da minha.
Também aprendi que o trabalho de um arquiteto sempre responde a necessidades reais dos clientes, sejam eles individuais ou coletivos, públicos ou privados. Para minha surpresa, após algumas edições em que os “convidados” projetavam espaços domésticos, a obsessão patológica do mundo moderno por novidades levou os organizadores dessas feiras a criarem programas esdrúxulos como veículo para a “criatividade” dos participantes. Assim, foram projetados espaços para artistas estrangeiros há muito falecidos (sorte deles), meras garagens foram transformadas em mini museus automotivos e até um estar indígena (!!!) foi criado, claro está que com o melhor do mobiliário contemporâneo −chão batido e palha não combinavam com a estética dominante.
Um dos principais problemas dessas feiras é o excesso que caracteriza a grande maioria das “propostas”: participante das Casa… não faz projetos, isso é coisa da gentalha. Sempre há nos espaços pelo menos 100% a mais de elementos do que seria necessário e indicado pelo bom senso. Já vi banheiros de 3m2 (lá chamados de spa) que continham cascata, piso de vidro revelando pedras relaxantes e luzes de casa noturna dos anos 80. No mesmo espírito lembro de um dormitório de adolescente que parecia um alojamento de surfistas em férias na Austrália, tal o número de coisas colocadas ali. A sensação com que sempre saio ao visitar esses eventos é a de que viver naqueles espaços é a coisa mais próxima de experimentar um pesadelo contínuo em vigília. Um das qualidades das moradias não era ser um espaço de repouso e relaxamento?
O quarto ítem que me desagrada é a glorificação da autoria. Esses locais são o habitat natural do arquiteto-estrela, que está seguidamente por lá para apresentar a sua criação e distribuir cartões e folders (quando não está sua foto sorridente o[a] representa). Penso que a arquitetura é um fato cultural, que o autor pouco importa e que deve desaparecer por trás da obra. Como prefiro a discrição à auto-promoção, fico de fora dessas feiras. O que é claro, significa que não troco de carro a cada ano nem passo os reveillons em Punta del Este.
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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas só serão publicados e respondidos aqueles que tiverem autoria (nome + email, por favor). Obrigado.
9 comentários:
Caro Mahfuz.
De pleno acordo contigo em tudo o que diz respeito o texto. Pagar para estar na vitrine é demais.
Vários alunos e colegas já me questionaram também, mas tu não vais paaticipar da "casa"... (em minúsculo mesmo, acho que não vale o "C")... e a resposta como Arquiteto, Especialista em Interiores, que smepre dou é que enquanto os colegas que dizem fazer Arquitetura de Interiores, se deixarem nivelar ao memso pé de igualdade com os ditos decoradores nestes eventos, e a pagar para os outros se promoverem, me recuso.
Acredito que a maioria dos colegas que participam ( e existembons profissionais no meio) não se dão conta deste nivelamento por baixo, onde arquitetura de interiores e decoração ou moda ficou tudo no mesmo saco. Arquitetura de Interiores, como defendo nada mai sé que o Interior da Arquitetura e deve ter os mesmos comprometimentos na sua elaboração
Abraços e parabéns pelo blog.
Acompanho sempre.
Arq. Rinaldo Barbosa
Muito bacana o texto!
olá Mahfuz,
Gostei do questinamento.Infelizmente vivemos no tempo que a cultura virou mais um produto desta sociedade consumista, em parte é claro.Consequentemente a arquitetura virou um mero produto de consumo.Prova disso sao as "casa" que rebaixam a arquitetura a um nivel vergonhoso, como se ela simplesmente fosse encher um quarto de 3x3 par ficar "bonitinho", uma situacao realmente patetica.
Mas isso serve para provar a nossa propria imcompetencia.
Minha pergunta é como reagir de um modo racional diante de um mercado que pede isso, ja que infelizmente as pessoas que pensam da nossa maneira sao minoria?
Olah!
É a primeira vez que leio seu blog e gostei muito, sobretudo da proposta. A maioria dos blogs de arquitetura parecem feitos para gente do meio.
Tenho um blog denominado arquitetura alquímica, cujo propósito seria, a princípio, registrar a visão que um leigo (eu, no caso)tem do que vê por aí e publicar fotos de casos interessantes.
O endereço: www.arquiteturaalquimica.blogspot.com
Um abraço!
Abaete (arquiteturaalquimica@bol.com.br
Prezado Mahfuz, eu também não passo o Ano Novo em Punta, e sim na casa dos meus pais.
Grande abraço,
Bassalo
Muito bom o texto e o blog! Essa futilidade toda de decoração de interiores me incomoda, exatamente pelo que você disse, não há um projeto do espaço. As coisas são colocadas lá simplesmente porque é "bonitinho" (eles acham né) e não se pensa nos outros aspectos da arquitetura, na realidade os principais, como os que você comentou no seu texto.
Aqui em Brasília é o "Casa Cor", que na minha opinião é um desastre! Poucas coisas se salvam alí.
Abraço, Gabriela (Estudante de arquitetura e urbanismo)
Excelente blog. Compartilho em muito de todas as suas opiniões. Mas não sou contra uma Arquitetura Comercial, pode ser comercial, e de qualidade. Bons arquitetos como o Sr. contribuem bastante ao fazerem boa propaganda das boas práticas na área e dos bons projetos. Acho que está faltando mais programas na TV que falem sobre o assunto, com os leigos. Não há como ignorar o poder que uma divulgação desse porte teria na conscientização das pessoas. As pessoas em geral querem sempre o melhor e elas não são idiotas, como alguns insistem em tratá-las. Acho que essa parceria da TV de qualidade, com a divulgação da boa arquitetura poderia ser uma ótima saída. A internet também já tem ajudado um bocado, como os blogs, os vídeos etc. Mas os arquitetos comprometidos com a boa arquitetura devem colocar a boca no trombone!
Que alívio ler o teu blog! Sou estudante de arquitetura e lembro que em uma discussão com um ex-namorado, bastante ignorante e preconceituoso, ele me disse que desprezava a arquitetura porque só tinha a ver com estética, que era fútil, tentando me atingir. Coitado, só conseguiu com que eu acabasse o namoro nos dez minutos de discussão seguintes.
estou abrindo uma exceção e aceitando um comentário anônimo porque é bem divertido.
esse namorado não sabia que a última coisa que alguém que namora um arquiteto(a) ou estudante de arquitetura deve fazer é falar mal da arquitetura ou de arquitetos importantes. as consequências costuma ser funestas para o detrator. um ex-estagiário meu terminou com a namorada porque ela falou mal de Mies van der Rohe! e ela era também estudante, o que torna o sacrilégio ainda mais grave.
abraço e obrigado pela visita.
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