É normal que nas relações inter-pessoais se condene a mentira. Há uma espécie de acordo tácito nesse sentido: precisamos acreditar que as pessoas com quem nos relacionamos dizem a verdade. O próprio desenvolvimento da sociedade depende dessa confiança e dessa conduta. A mentira é uma ameaça à sociedade.
Não é à toa que nos chocamos com muito do que acontece em Brasília, pois a corrupção tem como seu aliado principal a mentira. Como conseqüência da identificação de alguém como mentiroso contumaz, passamos a não confiar mais nessa pessoa e a discriminá-la.
Pois bem, apesar de que a maioria de nós repudia a mentira nas relações sociais e profissionais, o mesmo não se dá na sua relação com a arquitetura.
A mesma pessoa que fica indignada ao constatar que ministros, senadores, maridos e o dono do armazém da esquina mentem, não vê o menor problema em edifícios que são a materialização da mentira em concreto, tijolo, cimento, etc. A maioria das pessoas não apenas não se dá conta de que certos edifícios corporificam a mentira como a aceitam, a pedem e pagam por ela!
Vejamos as imagens que ilustram o texto de hoje. Na foto da esquerda, as paredes parecem ser de madeira mas não o são. A simulação é feita em cimento, processo demorado e mais caro do que o reboco normal. Se olharem bem, vão ver que o “efeito tábua” só foi aplicado nas paredes frontais, as laterais são lisas. Numa casa real de madeira as tábuas dariam a volta e apareceriam em todas as fachadas.
Se o desejo é ter uma casa de madeira, porque não construí-la em madeira? Me dirão que é caro, e eu concordo. E pergunto: o que é mais digno, uma casa bem feita de alvenaria rebocada ou uma simulação evidente e mal feita?
Na foto da direita, uma fantástica demonstração de mau gosto e incompetência. Será essa fachada um pedaço de algum cenário que acabou sendo transplantada para aí? Com que propósito se “empastela” uma fachada com elementos de origem histórica, quase todos errados em relação às suas origens. Porque uma casa construída nos últimos anos do século XX tem essa aparência, quando esses elementos já não fazem mais parte da nossa cultura e não nos dizem mais nada? Como nenhum deles tem nada a ver com a construção material desse objeto, é só uma questão de tempo para que comecem a deteriorar e cair.
É uma lástima que se gaste tanto dinheiro em construções assim. As pessoas deveriam se dar conta de que um edifício é parte da cidade, e por muito tempo. O capricho de hoje pode ser o embaraço de amanhã e o ridículo de depois de amanhã.
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13 comentários:
Vide as aberraçoes neoclassicas pelas cidades.
O grande problema é que continuamos a importar aquilo que é tido como bom. As pessoas se identificam com a arquitetura clássica até hoje como sendo a melhor, assim como a americana. O problema maior é a negação de uma arquitetura brasileira que tem muito mais a nos oferecer, a exemplo de Severiano Porto e tantos outros.
essas bobagens seriam um pouquinho mais aceitáveis se o pastiche fosse correto, baseado num conhecimento exato da arquitetura histórica e de outros lugares.
mas, por outro lado, duvido que alguém que realmente conheça história da arquitetura faça esse tipo de coisa. ele ou ela saberia que o passado passou, não dá para reproduzi-lo.
Olá Mahfuz
fui teu aluno em uma Pós em lajeado, com a mono Facul. Oculta do Belo, talvez lembres. Bom, quanto ao texto, várias vezes em tuas aulas, palestras e textos, recorres a esta crítica, que, aliás, concordo em todos aspectos, pois acredito que a arq. deva corresponder a sua época, e estar de acordo com as situações sociol., tecnol. etc, mesmo que às vezes isto recaia sobre uma arq. de ostentação e "mentira" como no caso da casa rotonda, (até Botton já sabe). O que realmente não entendo, é como um profis. crítico extremamente conceituado e reconhecido, ainda perdes tempo com estas declarações. Enqto te fechas neste círculo analítico vicioso ( incluindo deconstrutivismo) acaba por endurecer a tua própria visão que às vezes me parece mais ressentimento do que qualquer outra coisa. A arq. está passando por uma mudança impressionante nas últimas décadas, não necessariamente para melhor, mas não importa, esta não-regra, onde tudo é permitido. Ao invés de tentar frear este processo, sugiro avaliar o que está mudança significa, como devemos perceber e trabalhar com esta nova mentalidade. Não significa que deva aliar-te a esta busca desenfreada e obscena que está acontecendo pela "forma-ideal" mas sim, trabalhar os sentidos arquitetônicos, que podem ser até mesmo os sentidos psicol. formais, ou ainda psicol. sociais que esta arq. está transmitindo, ao invés de ficares ruminando sobre questões deste tipo. Sim, é uma péssima arq., feita por arq. medíocres e com uma formação e capacidade intelectual duvidosa...mas é isso, deu. Acho que está na hora de reveres onde miras, como disse, há tanto que esta mente privilegiada poderia estar desenvolvendo ao invés de ficar remoendo e se contorcendo de raiva toda vez que vê algo assim ser feito. Espero que não se ofendas, mas estás subutilizando teu disco rígido.Grande Abraço , jeferson queiroz
prezado jefferson,
muito te enganas. não há qualquer ressentimento nessas observações. contra que mesmo seria esse ressentimento?
não esqueça que este não é um blog para arquitetos (embora sejam bemvindos); falar desse tipo de produção é fundamental, pois a maioria dos usuários de arquitetura é massacrado por informações que querem fazê-los crer que essa é a arquitetura que se deve fazer.
estão vendendo "gato por lebre" sem que ninguém se posicione publicamente contra isso.
minha intenção é mostrar por que ela é nociva e quais seriam as alternativas. neste espaço tento ser didático.
para completar, obrigado pela tentativa, mas já tenho idade e currículo suficiente para saber como quero gastar o meu tempo e o espaço do meu disco rígido. se o assunto não te interessa, melhor não lê-lo.
Caro Mahfuz, o arquiteto que está projetando a nossa futura casa nos indicou teu excelente blog. Parabéns. E parabéns para mim que li esta coluna hoje, dias antes de uma reunião com ele, pois um das idéias que íamos sugerir para a fachada era a falsidade das madeiras. Temos certeza de que ele tb não concordaria, mas sabe como é, cliente é cliente... Parabéns pelo conjunto dos textos!
Esqueci de colocar nome e emil no comentário anterior: Alberto Bigatti (bigatti@gmail.com)
prezado alberto,
muito obrigado por me informar disso! já me sinto recompensado pelo esforço de criar e manter este blog, pois a idéia é justamente ajudar os que não são arquitetos a ver algumas coisas e obter mais pelo que gastam nas suas casas e locais de trabalho.
muitas vezes os clientes, ao sugerir certas soluções aos seus arquitetos, na verdade impedem que eles (ou elas) possam lhes dar o melhor que podem.
minha sugestão seria: diga ao arquiteto o QUE necessita, mas não lhe diga COMO fazer. haverá tempo suficiente para discutir e chegar a uma solução que agrade aos dois.
um abraço.
Caro Edson,
Parabéns pelo blog e desejo que ele realmente cumpra seu objetivo de fazer com que os não-arquitetos passem a conhecer um pouco de arquitetura, e que com isso possamos melhorar as relações com nossos clientes e evitar certas aberrações pela cidade.
Henrique Benites
http://baukunst.blogspot.com/
oi henrique,
obrigado pela visita. já havia descoberto o teu blog e estava por deixar um comentário encorajador. sei como é ruim quando ninguém comenta, nem para dizer que não gostou.
quanto mais blogs sobre arquitetura, melhor.
decidi fazer do meu um lugar para divulgar a arquiteura para os que a usam. já há muitos lugares para discutirmos entre nós.
talvez assim se consiga melhorar um pouco a nossa relação com os clientes.
dá uma olhada nos outros comentários deste tópico; há uma mensagem legal de um usuário que mudou de idéia após ler o texto. uma pequena vitória entre tantas perdas.
abraço e volte sempre.
Adorei ler essa matéria,observo mais as construções de uma forma crítica hj em dia, podendo identificar o que é arquitetura de qualidade sempre procurei mais conhecimento sobre o assunto e agora estou tendo acesso de uma forma fácil de compreender a arte sem passar 6 anos a estudando.
Parabéns pelo dom de instruir de forma a ser absorver facilmente. abraço
sylvia,
o modo em que a arquitetura é apresentada na mídia a faz parecer algo apenas ligado à aparência das coisas.
muitos arquitetos sabem que não é assim, que a arquitetura tem muito a oferecer, e que até pode fazer a vida das pessoas um pouco melhor.
o que pretendo aqui é apontar algumas dessas qualidades, ao mesmo tempo em que tento chamar a atenção dos interessados para o tanto de empulhação a que estamos todos submetidos.
Olah Edson
Descobri seu blog recentemente e gostei muito da proposta.
Não sou arquiteta, mas como simples observadora "leiga" gosto de observar as aberrações que abundam por aí e também as propostas alternativas. Acho bacana o tom das questões que vc coloca, sobretudo porque vai além daquelas discussões "estéticas" em que imperam o "gostei"/"não gostei". Tento inventariar um pouco do que vejo por aí num blog chamado "arquitetura alquímica". Se vc puder, dá uma olhadinha: www.arquiteturaalquimica.blogspot.com o e-mail correspondente é arquiteturaalquimica@bol.com.br
Um abraço,
Andréa.
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