De tempos em tempos —não menos de cinco anos, não mais de dez— a discussão sobre os Planos Diretores se reacende. Neste exato momento está acontecendo em Porto Alegre, mas o que vou comentar a seguir é genérico e não se aplica a nenhum lugar específico.
Nessas polêmicas há dois participantes principais e um observador interessado.
O primeiro participante é o poder público, representado pelas secretarias de planejamento e/ou de urbanismo. Sua posição é em geral em defesa do patrimônio histórico e da qualidade de vida, embora nem sempre saiba exatamente o que significa isso e como alcançar os resultados. Tende a considerar sempre que qualidade de vida é sinônimo de construções de pouca altura, sem uma comprovação definitiva.
O segundo participante é a indústria da construção civil, ou seja, as construtoras. Para essas empresas, quanto mais se construir, melhor. Seu maior objetivo é o lucro, não importando as conseqüências para a cidade daquilo que constroem.
O observador é em geral a população, representada por alguns indivíduos, associações de bairro e de classe. Embora em algumas administrações haja uma certa ênfase na participação popular, isso nunca funciona pois, por uma lado, a população não está habilitada a entender a complexidade de um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e, por outro, grandes decisões já estão tomadas quando o assunto vai a discussão popular.
Este é o cenário. O que acontece ali é a briga por mais ou menos construção, pela proteção ao patrimônio ou a permissão para substitui-lo por nova arquitetura, em geral indigente. A Prefeitura propõe alterações no plano, ou até um novo Plano Diretor, normalmente mais restritivo; as construtoras resistem, alegam que as mudanças vão trazer o desemprego, fazem lobby, tentam influenciar quem vai decidir sobre a sua aprovação.
No final das contas, não importa muito quem vença essa batalha: as cidades continuam ficando cada vez mais feias e sem qualidade. Porquê? Tenho algumas opiniões sobre isso.
Uma das razões disso é que, mesmo que o plano proposto pelos técnicos da prefeitura seja impecável, ao passar pela Câmara de Vereadores ele é tão alterado que sai de lá irreconhecível. Cada vereador, influenciado pelo seu arquiteto assessor e pressionado pelos grupos de interesse propõe emendas que vão pouco a pouco desfigurando o plano inicial, até torna-lo algo sem sentido.
A segunda razão da inoperância dos PDDU são os vários problemas inerentes a eles. Um deles é o de não pensar no conjunto da cidade, concentrando-se em definir normas para os terrenos individualmente, ao invés de pensar no quarteirão ou no setor urbano. Resultado: ruas sem unidade, onde cada edifício tem uma altura e obedece a recuos diferentes.
Outro problema é que esses planos são insuficientes, pois definem muito menos coisas do que deveriam. Não se pode passar diretamente de um plano geral aos projetos de edificação ou do espaço público sem um passo intermediário.
O que falta à maioria desses planos diretores são Projetos Urbanos que definam a forma e o conteúdo de fragmentos de cidade desde o espaço público até a arquitetura, em termos suficientemente precisos para que a partir deles se possa iniciar uma sucessão de projetos até a sua execução.
Sem a existência de projetos urbanos concretos qualquer participação da sociedade é demagogia pura. São ridículos os processos participativos que esperam que os cidadãos opinem sobre documentos escritos e gráficos que até os técnicos tem dificuldade de entender. A única possibilidade um pouco democrática do urbanismo é trabalhar com projetos concretos e inteligíveis.
Voltando ao contexto local, pode-se dizer que essa falta de visão global e de projetos urbanos é a causa principal da permissão de construção de um shopping junto ao Hipódromo do Cristal, jóia arquitetônica situada em área sub-utilizada, mais uma oportunidade perdida pela inércia do poder público em Porto Alegre.
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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas só serão publicados e respondidos aqueles que tiverem autoria (nome + email, por favor). Obrigado.
Nessas polêmicas há dois participantes principais e um observador interessado.
O primeiro participante é o poder público, representado pelas secretarias de planejamento e/ou de urbanismo. Sua posição é em geral em defesa do patrimônio histórico e da qualidade de vida, embora nem sempre saiba exatamente o que significa isso e como alcançar os resultados. Tende a considerar sempre que qualidade de vida é sinônimo de construções de pouca altura, sem uma comprovação definitiva.
O segundo participante é a indústria da construção civil, ou seja, as construtoras. Para essas empresas, quanto mais se construir, melhor. Seu maior objetivo é o lucro, não importando as conseqüências para a cidade daquilo que constroem.
O observador é em geral a população, representada por alguns indivíduos, associações de bairro e de classe. Embora em algumas administrações haja uma certa ênfase na participação popular, isso nunca funciona pois, por uma lado, a população não está habilitada a entender a complexidade de um Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e, por outro, grandes decisões já estão tomadas quando o assunto vai a discussão popular.
Este é o cenário. O que acontece ali é a briga por mais ou menos construção, pela proteção ao patrimônio ou a permissão para substitui-lo por nova arquitetura, em geral indigente. A Prefeitura propõe alterações no plano, ou até um novo Plano Diretor, normalmente mais restritivo; as construtoras resistem, alegam que as mudanças vão trazer o desemprego, fazem lobby, tentam influenciar quem vai decidir sobre a sua aprovação.
No final das contas, não importa muito quem vença essa batalha: as cidades continuam ficando cada vez mais feias e sem qualidade. Porquê? Tenho algumas opiniões sobre isso.
Uma das razões disso é que, mesmo que o plano proposto pelos técnicos da prefeitura seja impecável, ao passar pela Câmara de Vereadores ele é tão alterado que sai de lá irreconhecível. Cada vereador, influenciado pelo seu arquiteto assessor e pressionado pelos grupos de interesse propõe emendas que vão pouco a pouco desfigurando o plano inicial, até torna-lo algo sem sentido.
A segunda razão da inoperância dos PDDU são os vários problemas inerentes a eles. Um deles é o de não pensar no conjunto da cidade, concentrando-se em definir normas para os terrenos individualmente, ao invés de pensar no quarteirão ou no setor urbano. Resultado: ruas sem unidade, onde cada edifício tem uma altura e obedece a recuos diferentes.
Outro problema é que esses planos são insuficientes, pois definem muito menos coisas do que deveriam. Não se pode passar diretamente de um plano geral aos projetos de edificação ou do espaço público sem um passo intermediário.
O que falta à maioria desses planos diretores são Projetos Urbanos que definam a forma e o conteúdo de fragmentos de cidade desde o espaço público até a arquitetura, em termos suficientemente precisos para que a partir deles se possa iniciar uma sucessão de projetos até a sua execução.
Sem a existência de projetos urbanos concretos qualquer participação da sociedade é demagogia pura. São ridículos os processos participativos que esperam que os cidadãos opinem sobre documentos escritos e gráficos que até os técnicos tem dificuldade de entender. A única possibilidade um pouco democrática do urbanismo é trabalhar com projetos concretos e inteligíveis.
Voltando ao contexto local, pode-se dizer que essa falta de visão global e de projetos urbanos é a causa principal da permissão de construção de um shopping junto ao Hipódromo do Cristal, jóia arquitetônica situada em área sub-utilizada, mais uma oportunidade perdida pela inércia do poder público em Porto Alegre.
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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas só serão publicados e respondidos aqueles que tiverem autoria (nome + email, por favor). Obrigado.
6 comentários:
Sou estudante de arquitetura e urbanismo e, aqui em Goiânia, observamos a aprovação de um plano diretor nos mesmos moldes citados no texto. Aqui uma agenda foi criada como instrumento para se conhecer melhor a forma e o conteúdo dos fragmentos da cidade. A tentativa foi frustrada pelo desinteresse da população em participar e pela falta de incentivo do poder público, além da "maquiagem" que a agenda ganhou não mostrando nem os problemas mais óbvios. Cidade ignorada, plano diretor negligente.
Edson, acho que a questão dos planos diretores deve ser tratada com mais profundidade do que alguns tratam...
De um lado temos os utópicos e/ou ufanistas arquitetos que crêem em um mundo de fantasia... de outro lado temos o tal mercado imobiliário, que mesmo chiando como chia, sempre vai ganhar sua grana, independente do Plano Diretor... os aptos. podem ficar mais caros, mas o lucro deles não vai diminuir...
E no meio disso tudo tem a cidade, que sofre com a falta de planejamento, com a falta de boa vontade do poder público e com a falta de sensibilidade dos empreendedores...
Acho que temos pano pra manga, pra perna, pros bolsos...
exatamente. qualquer que seja o plano diretor e os projetos urbanos que as prefeituras possam propor, sempre haverá o que construir e vender.
não dá para entender porque toda a histeria e as atitudes ridículas que as construtoras tomam, mandando seus operários votar e depor nas audiências, como se um novo plano fosse causar desemprego em massa.
Os planos diretores sempre serão um ponto de discussão. Em Pelotas, ainda temos a questão do centro histórico que atualmente está inserido em uma zona de I.A. 5 e T.O. 100%. Era uma área de grande especulação onde deixava-se cair o prédio ou provocava-se "acidentes" a fim de que se pudesse vender os terrenos. Atualmente está em fase final (assim espero) a votação do novo plano que cria o centro histórico tratando-o como área especial. O ponto que eu quero chegar é esse. Existem construtoras de visão que já estão investindo nessa área, executando restauração de prédios históricos, ou seja, lucro se terá sempre, apenas precisam por um pouco a cabeça para funcionar, saindo de soluções bitoladas. A cidade está precisando disso.
Abraço
O problema é que na maioria das cidades pequenas, a questão fica entre manter o Patrimônio histórico (normalmente meia dúzia de casinhas que os anos 70 não derrubaram) ou permitir a demolição pra dar lugar a construções medíocres, sem a mínima qualidade arquitetônica, nem mesmo funcional. Quanto menos bonitas.
Os Planos diretores nessas cidadezinhas são ineficientes principalmente quanto à fiscalização.
Falando em pequenos municípios do RS, aqui se conservou tão pouco patrimônio histórico, que acho ridículo alimentar a idéia de manter apenas "referências".
Tivemos exemplos praticamente únicos no mundo, de ecletismo adaptado a cultura de imigrantes germânicos, e com características próprias em cada localidade. E isso até hoje é pouco estudado e valorizado, e até mesmo demolido sem nem mesmo um levantamento fotográfico para memória.
E as famosas "referências" normalmente são museus que só mantiveram a volumetria original, ou nem isso. E as vezes até mesmo as principais referências ficaram só na memória.
Pior de tudo, é que continuam acontecendo as demolições para fazer reconstrução de patrimônio (preguiça de aprender a restaurar?), inclusive já vi fazerem telhado de laje em uma casinha centenária de Riozinho (RS).
Algo está errado com o ensino de arquitetura, creio eu que principalmente com o enfoque bastante parcial e tendencioso que algumas vezes se dá a patrimônio histórico.
Enquanto acadêmicos se digladiam discutindo ideologias arquitetônicas, a realidade é outra e alguns profissionais passam longe de sequer saber identificar as técnicas construtivas que foram contratado para "restaurar".
Fugi um pouco do assunto, mas é porque o tema é bem amplo.
jorge,
há muita coisa correta no que dizes.
também concordo que o ensino vai mal. a maioria das escolas se dedica a formar "geniozinhos incompetentes" ao invés de preparar profissionais para a prática correta e adequada de um ofício.
me arrisco a dizer que se notaria se todas as escolas de arquitetura fossem fechadas. talvez a qualidade do que se faz até melhorasse.
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