GUETOS E BAIRROS


Em postagem anterior (Matando a cidade aos poucos, 11/6/2006) comentei os muitos problemas decorrentes da onda crescente de construção de condomínios fechados nas cidades brasileiras.
Mesmo entendendo as motivações para o surgimento do fenômeno —principalmente a insegurança reinante nas cidades— e reconhecendo que há aspectos positivos na vida em comunidades fechadas, é impossível ignorar suas consequências a médio e longo prazo para a cidade como a conhecemos.
Além dos problemas já apontados naquele texto, há outra consequência que atinge a todos nós, mesmo que não residamos num daqueles guetos de luxo. Em geral os condomínios são construídos na periferia ou mesmo fora das cidades —onde os terrenos são muito mais baratos— em zonas quase sempre desprovidas de infraestrtura urbana. Após a sua instalação construtores e moradores começam a reclamar que o poder público melhore as condições infraestruturais, o que tem um custo altíssimo, desviando para lá recursos que poderiam ser melhor utilizados na cidade consolidada, beneficiando um número muito maior de pessoas. Ou seja, mesmo que não tenhamos nenhuma pretensão de viver desse modo acabamos pagando pela implantação dos condomínios, por meio dos impostos que todos recolhem.
Para que não pareça que apenas critico os condomínios sem mencionar nenhuma alternativa, gostaria de voltar a atenção do leitor para a cidade tradicional.
Nas últimas décadas se consolidou a convicção entre os envolvidos no estudo, projeto e administração das cidades de que as cidades mais vitais, em que se constata a melhor qualidade de vida são aquelas cuja estrutura é formada por uma comunidade de bairros. E mais, que esses bairros são setores urbanos compactos em que há uma mistura complexa de atividades —comércio, serviços, escritórios, pequenas indústrias, escolas, esportes, etc— combinada com habitações de vários tipos. Nesses bairros a maioria das atividades do dia a dia das pessoas pode ser realizada a pé, apesar de o transporte coletivo ser abundante.
Contraste-se a essa descrição a cidade atomizada atual, na qual as atividades principais tendem a ser separadas e distribuídas em setores afastados —mora-se aqui, compra-se lá, trabalha-se acola—, acabando com a concentração urbana característica das melhores cidades e obrigando as pessoas a grandes deslocamentos e ao uso constante do automóvel. Isso implica custos, psicológicos, ecológicos e financeiros enormes: poluição, gastos enormes com combustível e com infraestrutura urbana, dada a dispersão da cidade.
Como seria uma covardia dar como exemplo alguma cidade européia das muitas que admiramos, recorro a um exemplo local e bem conhecido: o bairro do Leblon, no Rio de Janeiro. Quem já esteve lá sabe do que estou falando. Quem não esteve, preste atenção na sua cidade; sempre há um setor que corresponde ao que descrevi aqui.
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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas, por favor, identifique-se (nome + email), para eu poder saber com quem estou me comunicando. Obrigado.

4 comentários:

Anônimo disse...

concordo com quase tudo o que diz (no que não concordo, acho que 'relativiza' por demais o 'direito' ao condomínio que, como mencionou, tem custos - mas não só econômicos - que extrapolam aqueles com os quais arcam os seus "beneficiários" e de tal monta que a criação destes condomínios só pode motivar verdadeira indignação).

concordo com a menção a bairro da zona sul carioca.
são, sob todos os aspectos, exemplares (apesar de que contem com certos componentes nem sempre "generalizáveis" - e que tem e dão uma 'cor' especial, no Rio).

diria que, para irritação dos paulistanos, sob este aspecto, o Rio é imbatível.
e é um 'paraíso de civilização' (provincianismo y cosmopolitismo em justas e combinadas medidas). inclusive por conta do papel que desempenha o "elemento humano".

em sua diversidade (no próprio bairro, como entre eles) citaria Copacabana como outro ótimo exemplo - menos ao gosto dos que preferem os tais condomínios fechados, função justamente da diversidade.

por essas e por outras, desenvolvo doutorado sobre o assunto; onde procuro apresentar elementos que demonstrem ser a 'solução' para como organizar o espaço na metrópole: conferir maior importância ao bairro.

a despeito de todo equívoco que tem no 'novo urbanismo' sua expressão mais acabada, o caso de um Leblon é patente comprovação de que se pode ter altíssima qualidade de vida num quadro, para não dizer mais, complexo e problemático como é o de uma metrópole.

sobre certos aspectos, a questão é mesmo de escala, ou começa a se definir pela escala (o que obviamente não quer dizer somente 'dimensão').

sérgio

Edson Mahfuz disse...

sérgio,

obrigado pela participação.

também sou cético a respeito do "novo urbanismo", mas pode-se extrair boas informações sobre o tema dos bairros multifuncionais na escala do pedestre dos textos publicados pelos seus defensores.

um abraço.

Anônimo disse...

Muito boa colocação da qualidade ambiental de um bairro consolidado. Na verdade caímos nos exemplos de bairros consolidados sempre que tentamos exemplificar que um condomínio é uma forma de ignorar a cidade, ou, criar a cidade dentro da cidade. A antiga vila de operários, a popular vilinha, hoje tem enorme valor, nas cidades que ainda restam algumas. No contexto paulistano, ainda ocorre mais um fenômeno: dos condomínios horizontais. Seria a recriação da vila, porém com estética batizada de ”neo-clássica”. Onde a segurança é enorme, etc., etc., e etc. dos anúncios das corretoras de imóveis. Agora, a destruição desses bairros, o que acontece na cidade de São Paulo, é uma questão da qual não consigo ter resposta alguma. Bairros como Itaim Bibi, Moema e arredores do Parque Ibirapuera, são exemplos bem próximos do que disse: diversidade de tipologias, condomínios verticais, condomínios horizontais, residências isoladas, vilas; diversidade de usos, comercial, residencial e de serviços; e guardam a relação com o pedestre. Mas a cada passo que se constroem novos edifícios de serviços (com térreos questionáveis) matam os moradores. As residências passam a ser pontos comerciais (o popular “por quilo”) em adaptações um tanto quanto questionáveis, os estacionamentos ficam escassos, o fluxo dos veículos aumenta tornando tudo um tanto quanto insuportável. Mesmo ainda mantendo o “de tudo um pouco” da diversidade, acaba seccionando os bairros em partes: a “mais residencial” e a “mais comercial”. Nas avenidas, estas se tornaram “show rooms” de alguma coisa, pois, segundo o zoneamento não podem ser comerciais, e as residências, de tamanho maior, geram insegurança ao proprietário. Ou seja, onde ainda existe aquilo que faz as pessoas procurarem esses bairros, por elas estarem aqui, isso vai terminando. Outra observação importante, é que realmente depois da decadência do centro, as funções de trabalho (ligada a serviços) ficam restritas a pequenas áreas como Av. Paulista, Av. Faria Lima, Av. Berrini, Av. Ibirapuera, fazendo com que essas áreas sejam a dos shoppings, das lojas, dos restaurantes. Sempre algo esta ligado a essas áreas. Seu fornecedor, o calculista, o advogado, o dentista. Não se tem, como antes, anos 1970, tudo no seu “pedaço”. Uma ou outra coisa ficava no centro, certo, mas cada “pedaço” tinha seus representantes. Seria a síntese da Unidade de Vizinhança?

ludov@estadao.com.br

Anônimo disse...

Mahfuz,

Eu é que agradeço a gentileza de publicar seus textos e ainda avisar quando há novidade.

Sobre o 'novo urbanismo', tem razão. Diria que o discurso (com ressalvas) interessa, enquanto a prática menos, ou quase nada.
Na verdade, tive, em princípio, até certa simpatia pelo que propunha o 'novo urbanismo'. Mas depois, vendo como resultava em 'estratégia' dos agentes do mercado imobiliário mais patifes, então, pouco sensato, desenvolvi aversão...
É um erro.
Suas palavras me servem de alerta.

Obrigado.

Sérgio