MUITOS MODOS DE VIDA, O MESMO APARTAMENTO

Uma das características da sociedade atual é a multiplicação dos grupos familiares. A tradicional família constituída por pai, mãe e 2,3 filhos já não é dominante, coexistindo com casais sem filhos, pessoas que vivem sós, pais/mães solteiras e seus filhos únicos, grupos de jovens, etc. Já começa também a se tornar comum a família cujos filhos adultos voltam a viver com os pais, porém com outras necessidades de espaço.

A essa diversidade o mercado responde com milhares de ofertas, todas iguais: “estar e dois ou três dormitórios” é a norma, com ocasionais variações sem alterar a natureza do imóvel oferecido ao consumidor. Embora as atrações periféricas aumentem –hoje é difícil encontrar um edifício de apartamentos que não seja um clube— as unidades residenciais são praticamente as mesmas há décadas, a não ser que consideremos a inclusão de um webspace (um computador em um corredor exíguo!!) uma grande inovação.

O que acontece com o casal que quer viver em um apartamento grande de um dormitório? Como isso não existe no mercado, são obrigados a comprar um de três, derrubar paredes e lidar com o que sobrou do banheiro do qual não necessitam. Como bem comentou Maria Tomaselli Cirne Lima em artigo na Zero Hora (01/05), é bastante comum que os compradores reformem o apartamento padrãomesmo antes de utilizá-lo, para satisfazer suas necessidades específicas.

Outra característica da vida atual, ainda mais notável, é a mudança constante. A vida das pessoas muda constantemente: famílias crescem, diminuem, se separam, novas se constituem. Tudo isso necessita de um suporte espacial, de um lugar onde essas vidas possam acontecer. Os imóveis atuais simplesmente não são projetados pensando nas inevitáveis mudanças que irão sofrer no futuro: combinação de vários espaços em um maior, inclusão de mais um dormitório, um banheiro a mais, etc. Reformar um apartamento convencional é tarefa difícil e demorada, pois tudo é pensado como se fosse permanente.

Como no momento de comprar todos somos conservadores e pensamos acima de tudo no valor de revenda do imóvel, a saída parece ser uma moradia adaptável. E como ela seria? A planta deveria contemplar todas as possibilidades de compartimentação --um, dois, três ou nenhum quarto— sem perda de qualidade. Para isso poder acontecer as partes molhadas (cozinha e banheiros) devem estar em posições estratégicas, e as divisórias devem ser de material leve, resistente e fácilmente removível (o gesso acartonado é uma excelente opção). As fachadas também teriam que prever alterações nas subdivisões internas, simplificando-se e deixando de tentar fazer o edifício parecer o que não é. A adoção de pisos elevados, como se faz há décadas nos escritórios, permitiria mudar as redes hidráulica e elétrica conforme a necessidade, sem a quebradeira habitual de pisos e paredes.

Talvez seja demais pensar que a moradia adaptável possa também ser também perfectível –melhorável-- ao longo do seu uso. Um exemplo: a construtora entregaria o apartamento com uma janela básica –caixilho mais vidro— à qual os proprietários poderiam agregar outros componentes quando desejassem. Essa janela estaria preparada para receber módulos para proteção solar (venezianas, persianas, etc), condicionamento do ar (ventilador, ar condicionado, placas de captação de energia solar), grades de proteção, etc.

Parece ficção científica? É tudo possível com as tecnologias de que dispomos e com arquitetos capacitados. É só querer. Não custa sonhar, não é mesmo?

A imagem acima mostra um simples exemplo de flexibilização: dois dormitórios pequenos divididos por uma porta de correr, permitindo modificar o espaço, agrupando os três recintos ou separando-os. Ora os dois dormitórios viram um único espaço, ora um está fechado e o outro em contato com a circulação/biblioteca, etc.

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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas, por favor, identifique-se, para eu poder saber com quem estou me comunicando.


4 comentários:

Anônimo disse...

Agradeço por ter enviado a resposta quando perguntei sobre as diferenças entre arquitetura e engenharia civil, e digo que me foram bem importantes as dicas.
Porém ainda tenho mais uma dúvida que gostaria muito que fosse respondida. O caso é o seguinte, parece que a arquitetura é o que eu realmente gosto, mas a impressão que eu tenho é que o mercado de trabalho é mais voltado para a engenharia, o campo de trabalho parece ser maior, além da remuneração, gostaria que me respondesse se é assim mesmo, pois esses fatores também influiriam muito na minha decisão.
Obrigado novamente
Aguardo resposta e mais uma vez, parabéns pelo blog, está realmente muito interessante!

jaderkrech@yahoo.com.br

Edson Mahfuz disse...

jader,
não sei se o mercado é mais voltado para a engenharia, mas posso afirmar que não há grande demanda por arquitetura, com A.

um agravante sério é o número excessivo de profissionais, competindo por poucos trabalhos numa economia vacilante. o nível de remuneração é muito baixo, se cpmparado ao que acontece em outros países.

embora o número de engenheiros também seja enorme, me arrisco a dizer que há mais trabalho nessa área, e provavelmente sem a tensão que há na nossa área.

mas, como em tudo no nosso país, não dá para dizer nada com muita certeza pois, dependendo dos contatos sociais de cada um, qualquer profissão pode ser viável.

Anônimo disse...

ótimas reflexões. não deixo de acreditar que algum dia chegaremos a este tipo de projeto, possibilitando total liberdade na concepção dos espaços.

já perdi um trabalho quando uma vez "bati o pé" que um edifício residêncial que estava projetando deveria estar desprovido de qualquer divisão padrão, pois uma pesquisa feita pela própria construtora avaliou que 90% dos apartamentos eram drásticamente alterados.
não foram suficientes os vários lay-outs por mim desenvolvidos - mostrando algumas das infinitas possibilidades - para que eles se dessem conta que esta é uma ótima (e muito mais econômica para ambas as partes) solução...

Mas fica a esperança... quem sabe um dia...
Um abraço.

Anônimo disse...

Parabéns pelo teu blog! É com discussões assim que vamos desmistificar a "arquitetura", qualificar o arquiteto e, quem sabe fazer arquitetura com A.
abraço,
Liane