A CIDADE VAI VIRAR PARQUE TEMÁTICO?

No final dos anos 1970 e começo dos 80 houve um fenômeno chamado Pós-modernismo, ocorrido principalmente nos Estados Unidos, que consistia essencialmente numa apropriação da aparência da arquitetura do passado como reação aos muitos horrores cometidos pela construção comercial dos anos precedentes. O fenômeno, pela sua inconsistência, teve curta duração como modo de projetar, embora seus resultados construídos continuem a existir, como testemunhos de uma perversão arquitetônica e cultural.
Para surpresa minha e de muitas pessoas sensatas, nos últimos anos estamos vendo aparecerem nas cidades brasileiras inúmeros edifícios descritos como “neo-clássicos”, comprovando que quase tudo chega ao Brasil com muito atraso. É impressionante que essas aberrações sejam vendidas como novidade, como algo ultra sofisticado, a “nova tendência” – uma construtora chega a chamar isso de nuova archittetura, bem assim, em italiano, que é mais chique.
O que temos visto nas ruas e nos jornais é uma série de projetos inspirados diretamente na arquitetura do passado, fazendo questão que essa fonte de inspiração seja diretamente perceptível. A idéia por trás dessa atitude parece ser a de criar um ambiente reconfortante por meio de imagens familiares. A aceitação relativa desses edifícios pode ser entendida de várias maneiras. Em primeiro lugar, porque qualquer oferta imobiliária vende; ninguém compra ou deixa de comprar nada que tenha o preço certo por causa do seu estilo ou falta de estilo. Em segundo lugar, porque a maioria das pessoas não tem idéia das qualidades espaciais e materiais que a boa arquitetura pode lhes oferecer.

A falta de conhecimento dos não arquitetos se deve ao fato de que são pouco informados –a arquitetura não é objetivo de discussão séria fora da profissão— e/ou mal informados –a maioria das nossas cidades não apresenta arquitetura de bom nível em número suficiente para treinar o olho dos leigos, e as publicações populares são de péssimo nível, servindo para confundir e não para educar.
A atual onda de “neoclassicismo” já seria anacrônica e irrelevante mesmo que o passado evocado por essas edificações fosse ligado à tradição local, mas o que acontece é que em geral há uma apropriação do passado de outras culturas. A consequência é uma “disneyficação” do mundo, onde tudo é falso e culturalmente irrelevante, além de não representar qualquer atitude positiva perante o entorno. Os monstrengos historicistas representam uma atitude que, sendo regressiva e anti-moderna, infantiliza e corrompe os usuários, pois não os educa e os mantém num estado primitivo de cultura visual.
Se o mundo atual é complicado e perigoso, não é criando cenários fantasiosos e inconsistentes que vamos escapar dele.
Acima, imagens de três arquiteturas igualmente caricatas, cada uma à sua maneira. Na imagem superior, um edifício cujo pórtico de entrada tem a forma de um binóculo. No centro, o famigerado pastiche de Gramado, no qual o que é técnica construtiva na origem (enxaimel) vira pintura na fachada. Embaixo, uma roupagem historicista tenta dignificar um edifício banal, caso típico em que a aparência suplanta a substância.

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OBS.: Comentários são muito bem vindos e será um prazer respondê-los mas, por favor, identifique-se, para eu poder saber com quem estou me comunicando.









24 comentários:

Anônimo disse...

Mahfuz, assino embaixo! Mas recordo o que escrevi anteriormente: na maioria das vezes, empresários (investidores) da construção "ditam as regras" aos projetistas de arquitetura (programa de necessidades, fachadas e até estilo arquitetônico), que dificilmente conseguem se impor. Como resolver isto? Margaret Jobim

Edson Mahfuz disse...

margaret,
como já escrevi várias vezes por aí, não vejo como mudar isso a curto prazo, dado o papel frágil que o arquiteto desempenha na equação imobiliária. é um tema complexo, e não tenho uma resposta para isso.

talvez o problema possa ser contornado com um cliente mais sensível, ou se algum arquiteto (ou grupo de arquitetos) tomarem as rédeas de algum negócio imobiliário. mas essa seria uma situação de exceção, não a regra.

quem sofre com isso é o usuário, que não pode usufruir do que a boa arquitetura tem a oferecer.

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Soube do blog através do comentário da Maria Tomaselli na ZH de hoje. Muito pertinente. Acho uma ótima iniciativa, voltarei com frequência.

Anônimo disse...

acho a cidade vai virar parque temático sim. isso não é um problema pq as pessoas gostam e vao querer morar lá.
me considero que tenho bom gosto, e todo mundo também acha isso de mim.
prefiro as coisas bonitas e bem feitas do que as coisas que acham simples e na verdade mesmo é feio.
se sao paulo tem porque nao podemos ter também?

Anônimo disse...

oi..
visitei seu blog depois que vi a matéria no jornal ZH de hoje (02/05) e gostei muito do que li.
Pretendo iniciar minha faculdade a partir do proximo ano e estou pensando em fazer arquitetura, porém na duvida entre a mesma e engenharia civil, ainda não me decidi por completo, mas seu blog mostrou algumas coisas que eu considerei importante.parabéns!
e se possível gostaria de alguma dica que pudesse me ajudar a escolher entre esses cursos (arquiteura x eng.civil).
Desde já agradeço!
meu e-mail: jaderkrech@yahoo.com.br
um abraço!

Anônimo disse...

Antes, parabéns pela iniciativa de discutir assuntos de arquitetura.
Eu sempre achei isso de neo-clássico ou neoclassicismo como simplesmente pastiche. Pegar elementos clássicos variados e coloca-los como penduricalhos é um caminho quase certo ao mau-gosto ou no mínimo falta de inspiração.

Edson Mahfuz disse...

jéssica,

obrigado pela tua manifestação. tens todo o direito de gostar de qualquer coisa, e eu respeito a tua opinião.

no entanto, não custa nada refletir sobre o seguinte:

penso que as pessoas só gostam desse tipo de coisa porque não tem outra opção, a arquitetura comercial de porto alegre é muito pobre e tudo o que aparecer bem empacotadinho vai parecer melhor.

além disso, são bombardeadas pela mídia não especializada (a qual em muitos casos tem interesse comercial nisso, pois faz parte de grupos com atuação no mercado imobiliário) e pela propaganda, que busca fazê-las pensar que DEVEM gostar daquilo e assim comprar o que é oferecido. Logo, não se trata de uma escolha livre entre alternativas, mas algo induzido por interesses comerciais.

o tal “neo-clássico” não é algo surgido naturalmente a partir da cultura local. muito pelo contrário, é um truque publicitário e de marketing, para fazer as pessoas desejarem algo que normalmente seria alvo do ridículo, como o é na europa. com isso se cria um mundo de faz-de-conta permanente que faz com que as cidades comecem a perder suas características individuais.

é curioso que se valorize o fato de alguém possuir personalidade própria e distinta, mas que se aceite sem problemas uma arquitetura que é uma mentira, equivalente a tomar emprestada a personalidade de outra pessoa.

é muito estranha e preocupante essa justificativa de gostar de algo porque existe em são paulo. por esse raciocínio teríamos também que querer maluf, poluição, engarrafamentos, rodízio de automóveis e outras coisas ruins da capital paulista.

Anônimo disse...

Mahfuz, como vai? Fiquei sabendo do blog pela lista da Nau. Vou inclusive recomendar aos meus alunos ("quase-arquitetos"). Parabéns pela iniciativa! Daniel Pitta Fischmann

Edson Mahfuz disse...

joel e daniel,

fico contente que tenham gostado. essa discussão faz falta e normalmente nenhum meio de comunicação tem interesse que ela aconteça, daí a idéia de usar a internet para isso.

discutir exemplos reais locais é boa idéia; sempre que for o caso, vou mostrar alguma coisa boa daqui. os maus exemplos prefiro trazer de fora (meu objetivo é divulgar a arquitetura, não conseguir inimigos por nada).

abraço.

Anônimo disse...

Mahfuz, achei interessantíssimo o assunto do blog. É bastante pertinente haver um meio de discussão e esclarecimento sobre algo que muitas vezes é banalizado.
Quando vi a foto do terceiro edifício citado, logo lembrei de como é difícil às vezes fazer as pessoas acreditarem que certas construções atuais são tão incoerentes que beiram o absurdo. O que tu achas, por exemplo - é inevitável não citar o nome -, daquele novo empreendimento milionário da Maiojama, na Carlos Gomes, próximo à Plínio? Cada vez que passo pela frente, me indigna o potencial da localização e o investimento praticamente desperdiçados numa tentativa ridícula de "inovar" a arquitetura comercial de Porto Alegre.

Anônimo disse...

legal o blog, mahfuz!
é um ótimo canal de comunicação mesmo...
sobre o assunto, te confesso q considero total exagero colocares no mesmo saco neoclassicos, gramadismos e gehry! a boa arquitetura não é a q agrada aos nossos olhos e sim aquela feita com intenções e competência- onde se encaixa essa obra importante do século 20!
do time de posmodernos ficaria mais fácil de encaixar na crítica alguém com graves, por exemplo...

abraço
cristiano

Anônimo disse...

hahahahahaha
gramadismos!!!!!!
adorei esta palavra!!!!!!!

Anônimo disse...

Caro Professor,

Creio que seja um erro intitular tais edifícios pseudo-clássicos como "neo-clássicos", visto que esta foi uma escola artística-arquitetônica do passado que já cumpriu seu ciclo histórico. Os prédios neo-clássico "de verdade", do período histórico, em sua maioria eram bem mais discretos e sóbrios que estas barroquices as quais creio que foram referidas neste texto. Estas no máximo seria um neo-neo - e, como entre colunas e arcos plenos metem-se elementos neo-coloniais e outras diversidades, creio que o mais adequado seja "neo-eclético", como está se convencionando chamar.

Acho que nós, arquitetos e futuros arquitetos(estudantes como eu), devemos nos preocupar inicialmente com os caixotes de concreto e demais anti-arquiteturas projetadas por pedreiros, com certeza muito mais preocupantes tanto esteticamente quanto arquitetonicamente, e que tanto tornam nossas cidades tenebrosas.

Depois que o Brasil adquirir consciência arquitetônica, o que vier é lucro.

Edson Mahfuz disse...

marta,
obrigado pelas observações. prefiro não personalizar as críticas, já que meu objetivo é criticar uma atitude culturalmente equivocada e danosa. de qualquer modo, o texto postado deixa bem clara minha posição sobre o assunto. abraço.

Edson Mahfuz disse...

caro jorge luis,
obrigado pela aula de história, mas não sejamos ingênuos! quem chama os monstrengos de neo-clássicos são seus próprios autores e promotores. eu coloco o termo entre aspas para evidenciar a sua incorreção.

eu não seria tão rápido ao falar mal de "caixotes de concreto". há algumas "caixas" entre as melhores coisas já projetadas neste país. exemplos? a loja forma, em sp, do paulo mendes da rocha é uma delas.

abraço.

Anônimo disse...

Professor,

por favor releia o comentário enviado, eu falava dos caixotes de concreto e afins "projetados" por pedreiros/clientes e assinados por arquitetos e engenheiros "laranjas".

De modo algum inclui qualquer produção realmente arquitetônica na crítica, isso é assunto pra uma próxima oportunidade =)

Esqueci de escrever antes, ótima idéia do blog, estão em falta mesmo espaços assim para discussão, e principalmente com este foco.
Parabéns pela iniciativa, e pelo texto muito bem redigido.

Anônimo disse...

http://web.mac.com/arqgalvao/iWeb/eduardogalvao/Blog/Blog.html

Anônimo disse...

Hoje a boa arquitetura é determinada pela propaganda, não se comprando mais um imóvel e sim uma marca, da construtora que seduz o cliente através de cenários que remetem ao mundo ideal e fantasioso, como se assim os problemas cotidianos fossem acabar.
A propaganda ocupa mais a criatividade dos empreendedores imobiliários que a arquitetura, o reflexo disto são as fachadas caricatas e os interiores padronizados. Acreditamos que a arquitetura sofre pela falta de identidade, mas talvez isto não seja apenas um reflexo específico da arquitetura, mas do momento social, cultural e administrativo ao qual estamos passando.

Anônimo disse...

Hoje a boa arquitetura é determinada pela propaganda, não se comprando mais um imóvel e sim uma marca, da construtora que seduz o cliente através de cenários que remetem ao mundo ideal e fantasioso, como se assim os problemas cotidianos fossem acabar.
A propaganda ocupa mais a criatividade dos empreendedores imobiliários que a arquitetura, o reflexo disto são as fachadas caricatas e os interiores padronizados. Acreditamos que a arquitetura sofre pela falta de identidade, mas talvez isto não seja apenas um reflexo específico da arquitetura, mas do momento social, cultural e administrativo ao qual estamos passando.

Karina e Lorema
Alunas da disciplina Arte, Estética e Arquitetura
Professoras: Viviane Moglia
Raquel Lima
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - Unirriter

Anônimo disse...

Oi Mahfuz!
Expressas muito bem, de forma sucinta e objetiva, esta onda pueril de "disneyficação" arquitetônica. Diante disso, acreditamos ser muito importante a postura dos arquitetos. Não há uma atitude de defesa ou de imposição em relação à arquitetura que o bom profissional almeja. A maioria da população acaba consumindo essa arquitetura exposta como "legal" e "que dá status" na grande e glamourosa vitrina da mídia e do mercado imobiliário. E os arquitetos, por sua vez, ao invés de se imporem a isso, são induzidos (por essa mídia e por esse mercado imobiliário) a satisfazer a demanda da população que compra essa arquitetura.

Nós, futuros arquitetos um tanto quanto angustiados, temos uma dúvida: como unir o êxito profissional (exercer uma boa arquitetura) com o êxito financeiro? Ou será que para se dar bem nessa profissão há que fazer parte dessa vitrina de mau gosto?

GABRIELA PIEROZAN
THAÍS FIORIOLLI
ALUNAS DA DISCIPLINA "ARTE, ESTÉTICA E ARQUITETURA" DO UNIRITTER
PROFS.: RAQUEL LIMA E VIVIANE MAGLIA

Anônimo disse...

Oi Mahfuz, quando puder dá uma olhada neste link. Veja o absurdo deste novo empreendimento em São Paulo. Achei muito boa a crítica do concurso.

http://www.vitruvius.com.br/concurso/q3/conc339.asp

Paula Lopes

Edson Mahfuz disse...

paula,

o concurso é muito interessante. é uma pena que tenhamos que dedicar o nosso esforço a combater monstruosidades como o tal projeto cidade jardim. quando o vi no jornal, fiquei perplexo. não imaginei que alguém seria capaz de propor algo tão horrível numa escala tão gigantesca.

abraço.

mahfuz

Anônimo disse...

NÂO SOU ARQUITETA,MAS AMO ESTE CAMPO.SOU CONTRA CONSERVAR TUDO QUE É ANTIGO,DEVEMOS PRESERVAR APENAS REFERENCIAS HISTÓRICAS.AFINAL O NUNDO ESTÁ EM CONSTANTE MOVIMENTO,A ARQUITETURA DE HOJE DEVE SER ECOLOGICA, SIMPLES E PRÁTICA. O SIMPLES É CHIC E ATUAL.E O PRINCIPAL É NÃO AGREDIR A NATUREZA,AFINAL O QUE SERIA DA ARQUITETURA SEM ELA.